Opinião

Conversa de circunstância

3 fev 2023 16:38

A ânsia constante pela novidade leva a que todos os temas sejam esmiuçados e debatidos, mesmo aqueles que não têm qualquer tipo de interesse, qualquer tipo de relevância

Estamos já em Fevereiro e praticamente não demos por passar Janeiro. Se no início do mês eram constantes as notícias sobre chuva, inundações e barragens a descarregar, no final do mês mudámos de tema para o frio polar.

As conversas sobre a meteorologia são ótimas para elevadores e para fazer sempre pertinentes questões de “então como vai a vida?” a um vizinho idoso que vemos na mercearia do bairro. Claro que podemos temperar as conversas sobre o tempo (garantidas e universais) com aspetos locais, como obras na rua, ou o evento da época que condiciona o normal funcionamento da cidade – o que em Leiria se verifica amiúde.

No entanto, há quem goste de introduzir outros assuntos na conversa de circunstância. Desporto é um tema a que muita gente recorre. Um feito de um atleta ou uma seleção nacional numa qualquer modalidade dão espaço para uma boa conversa de circunstância: aquela em que ambos os intervenientes sabem a mesma coisa, o que significa que as frases produzidas por um poderiam ser produzidas pelo outro.

Quando se arrisca em assuntos mais contraditórios (por exemplo, tudo o que envolva futebol), as conversas poderão ser mais animadas, mas igualmente previsíveis. Sabe-se quem tem a certeza que foi penálti e quem sabe comprovadamente da falta de seriedade do árbitro. Ainda que emotivas, as conversas poderão ter um caloroso conforto.

O combustível para as conversas de circunstância são os acontecimentos quotidianos. A meteorologia, a classificação de um piloto de rali, o jovem prodígio da seleção de andebol. É um combustível que é servido frequentemente pelos meios de comunicação social e refinado pelas redes sociais. Estes postos de abastecimento têm em comum a voragem pelo conteúdo.

A ânsia constante pela novidade leva a que todos os temas sejam esmiuçados e debatidos, mesmo aqueles que não têm qualquer tipo de interesse, qualquer tipo de relevância ou, sequer, qualquer divergência possível. A necessidade de conteúdo para alimentar os canais de notícias (e os feeds das redes sociais) leva à invenção de perspetivas diferentes, muitas vezes ridículas e unicamente destinadas a fingir irreverência e desalinhamento. E como dão muito mais audiências (e likes) conteúdos emotivos, opta-se sempre por comentadores apaixonados e sectários – e preferencialmente que berrem as suas opiniões.

A torrente de “debates” apaixonados sobre casos e indignações diárias e efémeras têm inflamado o subconsciente de todos nós. Nas conversas de circunstância não há já espaço para a amena e inconsequente cavaqueira. É preciso escolher uma das trincheiras, estar zangado, revoltado e odiar quem está na outra trincheira.

Alimentados pelo combustível que nos servem as TV’s e as redes sociais, sentimo-nos incapazes de estar apenas a desfrutar: temos de estar preocupados, ansiosos, agoniados. O sectarismo, o facciosismo e as trincheiras mataram o prazer da conversa de circunstância. E pequenos prazeres como esse nenhum chat de inteligência artificial é capaz de substituir.