Opinião

Dar à luz como Maria

10 jan 2025 16:32

Eu não costumo alinhar em teorias da conspiração mas parece-me que este desinvestimento no SNS é uma forma de beneficiar os privados

Num estábulo. Ou na versão moderna, é bom que os Reis Magos se despachem com os presentes para que Maria e José possam pagar o hospital privado. Aquilo que deveria ser uma questão transitória, com férias de agosto ou épocas festivas como Natal e Passagem de Ano, tornou-se norma todo o ano.

Como chegamos até aqui em que não se pode parir em Portugal em paz e segurança? Aliás, faço a questão de forma ainda mais abrangente: como é que demos cabo do SNS desta maneira? Ou como é que permitimos que dessem cabo dele desta maneira? Nada contra a optimização de recursos e a recente criação da polémica Linha SNS Grávida. Mas será que não temos um problema estrutural aqui? É necessário os bebés terem em atenção o dia em que querem nascer mediante a disponibilidade do bloco de partos da sua área de residência? Que nós saibamos não funciona bem assim, os bebés são os rebeldes que nascem quando lhes convém…

Eu não costumo alinhar em teorias da conspiração mas parece-me que este desinvestimento no SNS é uma forma de beneficiar os privados. Será que vamos importar o modelo de saúde privado dos Estados Unidos? Em que a saúde de qualidade é só para os mais abastados? E acho muito bem um aumento de penas para quem praticar atos de violência contra pessoal de saúde e de segurança. Mas questiono: que consequência vamos dar a quem pensa e executa políticas da treta que prejudicam os profissionais e os utentes?

No fim da cadeia alimentar, os castigados são sempre os mesmos: os profissionais e os utentes. Até aqueles que ainda nem nasceram. E como sempre deixo uma palavra de apreço aos profissionais do SNS que estão aqui no meio disto tudo.

Uma médica minha conhecida que trabalha em urgência fora do distrito, contou-me que foi esfaqueada (de forma superficial conforme a cicatriz que me mostrou) por não querer passar uma baixa. E garantiu-me que isto não foi nada comparado com outras estórias de colegas. Fiquei abismada.

É literalmente a fábula do sapo e do escorpião, sendo que os escorpiões são os utentes e os políticos. Mas enquanto o escorpião se desculpou com “sendo a sua natureza”, nós supostamente somos mais civilizados do que isto. E inteligentes.

Voltando a Maria. Felizmente existe a opção em Portugal do parto em casa para as gravidezes medicamente documentadas como de baixo risco, em que apenas a presença de duas enfermeiras/ os parteiras é suficiente.

Mas mesmo essa opção infelizmente não é para todas as carteiras. Valha-nos os Reis Magos abastados para servirem de padrinhos às crianças em Portugal. 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico do Novo Acordo Ortográfico de 1990