Opinião
Dicionário improvisado XXXVI
A imaginação é como uma nuvem livre que vagueia num céu azul e infinito
Círculo
Se repetir a mesma viagem muitas vezes deixarei de distinguir entre a ida e o regresso?
Despedida
Cada nova viagem é uma oportunidade para fazer uma despedida melhor. Procura-se sempre a despedida perfeita, fingindo que não se sabe que a única despedida perfeita é aquela que não precisa acontecer. A cada nova viagem, a despedida é mais difícil.
Imaginação
A imaginação é como uma nuvem livre que vagueia num céu azul e infinito; arrastá-la até ao chão, prendê-la à terra, é roubar-lhe o sentido e o propósito. São as raízes que matam a imaginação.
Melancolia
Viajar de comboio. Seguir sempre em frente, olhando a paisagem que fica para trás (aldeias pequenas, casas isoladas, carros com famílias, florestas, pássaros). Não sentir o desejo de parar. Olhar o mundo que passa com interesse, mas não ter vontade de fazer parte dele; ou achar que não se conseguirá fazer parte dele. Como um pássaro que vê um comboio passar, ruidoso e imparável; porque haveria o pássaro de querer entrar no comboio?
Resistência
Era uma vez um professor de filosofia que repetia as mesmas ideias turma após turma, como se fosse uma gravação e não estivesse realmente ali, de corpo e alma. A gravação referia-se ao mito de Sísifo.
Explicava a voz, distanciando-se do corpo, como um certo rei fora punido com o castigo eterno de erguer uma pedra gigante até ao cimo de uma montanha, apenas para depois a ver deslizar montanha abaixo, até ao ponto de partida.
Explicava a voz, mecânica e sem vida, como o rei repetia aquela tarefa vez após vez, apesar de saber que o desfecho seria sempre o mesmo, e o propósito inútil.
Explicava a voz, cansada e apática, como aquela conformação do rei em repetir uma tarefa sabendo qual a sua conclusão e irrelevância poderia ser uma metáfora poderosa do destino dos humanos, condenados a repetirem tarefas que não compreendem e não controlam.
Explicava a voz, desinteressada do que dizia, algumas das implicações filosóficas possíveis de especular a partir da postura do rei castigado, e como poderiam ter ressonância em todas as pessoas que as especulassem, incluindo os jovens que se encontravam à sua frente. «E a pedra?», perguntou um desses jovens. A gravação emperrou. A interrupção fora inesperada, e a voz viu-se forçada a suspender o discurso automático.
«Todo o foco está no rei. Mas e a pedra?», insistiu o jovem. A turma agitou-se, o professor pediu explicações. «Talvez o protagonista do mito não seja o rei e a sua teimosia absurda. Talvez o que importa realmente seja a pedra, e o seu comportamento.
Porque insiste em regressar sempre ao ponto de partida? Não pode ser apenas por força da gravidade ou assim. Isso seria uma explicação científica, e os mitos não são lugares de ciência.
Para mim, acho que é por resistência. O rei é teimoso, a pedra é resistente. Ou seja, a pedra tem mais personalidade do que o rei.» Sétima aula do dia, a primeira vez que o professor sorria.