Opinião
Do que um homem foi capaz
À boleia da memória dos corredores da RUC, depois do regresso com o "Resistir é vencer", o nosso desejo antigo de fazer um concerto com o José Mário Branco passou a ser um imperativo categórico. Nesse dia os 107.9 FM emitiram o "FMI" em loop.
À noite, o TAGV estava cheio. No palco, uma cadeira e dois micros, José Mário com a voz e a viola. Ouvir os discos e as entrevistas fez sempre todo o sentido. Mas ali, sozinho, em palco, foi...
A verdade verdadinha é que o José Mário Branco sempre foi e será o meu preferido da música portuguesa. E, apesar de nos deixar uma obra tamanha, custa tanto saber que nos deixou. Costumo ser bastante pragmático na forma como lido com o desaparecimento de figuras públicas que, de uma forma ou outra, nos moldam enquanto crescemos.
Normalmente, fixo-me no exemplo e na obra que deixam. Penso sempre para mim que não adianta afundar-me no saudosismo a ter pena ou chorar. Agarremo-nos ao aqui e agora e espalhemos a sua obra, até porque, como José Mário Branco cantava “a vida é como uma estrada que vai sendo traçada, sem nunca arrepiar caminho. E quem pensa estar parado, vai no sentido errado, a caminhar sozinho”.
Ainda antes de uma era onde meia-dúzia de empresas controlam tudo, o populismo cresce a olhos vistos e as redes socais cultivam e ampliam o ego, José Mário Branco cantava “no lugar da consciência, a lei da concorrência pisando tudo p’lo caminho. P’ra castrar a juventude, mascaram de virtude o querer vencer sozinho” e avisava logo a seguir que “quem escolhe ser assim quando chegar ao fim vai ver que errou o seu caminho. Quando a vida é hipotecada, no fim não sobra nada e acaba-a sozinho”.
A música para José Mário Branco era pensamento, arma, resistência e esperança, que diagnostica, elogia o que tem a elogiar, ataca o que tem de atacar e nos dá a força que nos move: “há princípios e valores, há sonhos e há amores que sempre irão abrir caminho. E quem viver abraçado à vida que há ao lado, não vai morrer sozinho”.