Editorial
Entre o sonho e a realidade
Na região de Leiria, era necessário um salário bruto mensal de 1851 euros para comprar um imóvel de 100 metros quadrados
Já nos dizia António Gedeão que “o sonho comanda a vida”. E, gerações atrás de gerações, o sonho que comandava muitas vidas assentava, basicamente, em estudar, garantir um emprego e comprar casa. Uma tradição particularmente seguida em Portugal, onde, segundo dados do Eurostat, o gabinete europeu de estatísticas, 77,8% das famílias viviam em casa própria em 2022, um valor acima da média da União Europeia.
A conjuntura actual está a fazer desmoronar este sonho. Como vos damos conta no trabalho de abertura desta edição, cada vez são mais os jovens e menos jovens que, mesmo trabalhando, nem se atrevem a contrair um empréstimo para adquirir habitação. Alguns podem continuar a sonhar, mas entre o sonho e a realidade, não têm outra alternativa senão partilhar casa com outras pessoas na mesma situação.
A escassez de oferta habitacional e a consequente escalada de preços no mercado imobiliário contribui para esta situação. Mas não só. As estatísticas mais recentes, indicavam que quase 70% dos trabalhadores em Portugal auferiam menos de mil euros por mês. E, de acordo com um estudo da HelloSafe, uma plataforma de comparação de produtos financeiros, na região de Leiria, era necessário um salário bruto mensal de 1851 euros para comprar um imóvel de 100 metros quadrados. É só fazermos contas.
Da habitação para a educação, destaque para a acutilante análise de Artur Mateus ao nosso sistema de ensino. Entre outras coisas, o investigador e ex-director do Centro de Desenvolvimento Rápido do Produto, do Instituto Politécnico de Leiria, agora a caminho de um novo projecto na Universidade de Coimbra, recorda como se sentiu “fora do aquário” quando voltou à docência, após uma pausa de 14 anos.
Encontrou alunos com menos maturidade, mas, acima de tudo, sentiu-se condicionado na forma como podia transmitir o conhecimento, ao deparar-se com a manutenção de um conjunto de regras e procedimentos, uma espécie de “cartilha inflexível”, incompatível com a vontade de se fazer algo de novo nas aulas.