Opinião

Entretanto, em África...

16 mar 2017 00:00

Estamos em Março, a Páscoa está aí a bater à porta, mas o Natal ainda vem longe, ou seja, ainda faltam uns bons nove meses para prometermos a nós próprios, outra vez, que vamos ser menos individualistas e mais solidários.

Entretanto, no mundo real, há quem passe das palavras à prática. Por exemplo, os voluntários cujas histórias contamos esta semana, que colocam a própria vida em pausa para se dedicarem ao trabalho comunitário em África, inseridos em projectos missionários.

Imagine, abdicar das férias, da família, dos amigos e do conforto que o hemisfério norte garante aos seus privilegiados, para passar um mês, meio ano ou até mais nos lugares esquecidos do planeta, onde a carência é a regra, não a excepção.

Testemunhos em que qualquer pessoa se revê, mas que, por vários motivos, ainda são raros no nosso quotididiano. Por cá, na metade favorecida do globo, quase sempre preferimos o que é útil e suscita cobiça, somos mestres em deixar para amanhã o que podemos fazer hoje.

A viagem dos voluntários missionários tem tanto de aventura no mundo como de descoberta pessoal – e é por isso que quase todos dizem experienciar uma espécie de transformação interior.

Construir uma escola no meio do caos ou receber o sorriso de uma criança numa casa com chão de terra batida tem o poder de evidenciar o óbvio: algo está a falhar neste modelo materialista que deixa refugiados à porta da Europa e abre um cemitério no fundo do Mediterrâneo.

Claro que também no voluntariado há ego e interesse, mesmo inconsciente, por certo nos alimentamos dos afectos e acalmamos fantasmas qunado o espelho nos devolve como boas pessoas. Mas, a haver alguém a embriagar-se em narcisismo, que seja quem pratica a solidariedade e o amor ao próximo.

O problema do mundo são as relações entre as pessoas, pode ler na edição de 9 de Março. Quem o diz é Rui Matos, director da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, para quem a escola tem de deixar de parte o ensino, os currículos, a repetição, e apostar no humanismo, na filosofia e no respeito pelo outro.

No fundo, o diagnóstico está feito, tem o tamanho de um elefante na sala de estar. E não é preciso fugir para África amanhã, provavelmente podemos contribuir na nossa própria rua.

Na entrevista recente ao Jornal de Leiria, o poeta Pedro Mexia defende que todos nós queremos ser egoístas e ceder ao princípio do prazer, que a civilização é uma película frágil e fácil de remover, fundada na repressão dos impulsos mais básicos, que os seres humanos não mudam, o que muda são as sociedades.

A verdade é que, entrados no terceiro milénio, continuamos presos a uma existência que se baseia na troca – dou para receber. É preciso inovar. Largar tudo para viajar milhares de quilómetros, em prol de quem não se conhece, requer, no mínimo, audácia – e é certamente inovador.

Uma experiência que nos desafia a observar a partir de uma nova perspectiva, uma perspectiva em que o ego deixa de ser a prioridade e todos os homens voltam a ser iguais por natureza.