Opinião

Escolhas óbvias

18 fev 2016 00:00

Por outro lado, parece faltar irreverência. Pessoas que pensem as artes e a cultura em geral numa frequência mais ousada, na perspectiva de descobrir novos caminhos e de encontrar outras linguagens.

As últimas semanas vieram provar que as declarações que Raul Castro proferiu relativamente à intenção de Leiria ser Capital Europeia da Cultura em 2027 não foram apenas fruto de um entusiasmo momentâneo, dito para cair no esquecimento dias depois.

Passado o impacto inicial que a sua afirmação gerou, com tantas manifestações de apoio como opiniões críticas, a intenção do presidente da Câmara ganhou corpo com o conhecimento de que João Bonifácio Serra seria a pessoa escolhida para encabeçar o grupo de missão que irá organizar o programa de manifestações com vista à candidatura.

Goste-se ou não da solução, a verdade é que Bonifácio Serra tem um currículo à altura do cargo, onde não falta a experiência de ter sido presidente da entidade responsável pelo projecto Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. A completar o referido grupo de missão, a autarquia indicou os nomes de Acácio de Sousa, presidente do Orfeão de Leiria, Paulo Lameiro, director artístico da SAMP, Joaquim Ruivo, director do Mosteiro da Batalha, e Helena Brites, autarca e musicoterapeuta.

Excluindo o nome menos óbvio de Helena Brites, poder-se-á dizer que as escolhas são naturais, compreensíveis e até politicamente correctas. São pessoas ligadas à cultura, com ideias e provas dadas nas suas áreas de intervenção e com capacidade mobilizadora na região. Têm notoriedade e transmitem ao grosso da população o sentimento de credibilidade do projecto, aspecto que não é de desprezar. No entanto, sem pôr em causa a qualidade e capacidade das personalidades escolhidas, esperar-se-ia que uma decisão arrojada e corajosa, como a decisão de candidatar Leiria a Capital Europeia da Cultura, fosse acompanhada também de algum arrojo na escolha da equipa que irá liderar o processo.

Politiquices à parte, que pouco interessa a cor política de cada um se houver a capacidade de colocar o projecto acima disso, parece, numa primeira análise, que a equipa tem algumas fragilidades. Em primeiro lugar, não respeita a transversalidade cultural, com peso excessivo da música e sem representação de outras artes como o teatro, a dança, as artes plásticas, a literatura, a arquitectura ou a arte urbana.

Por outro lado, parece faltar irreverência. Pessoas que pensem as artes e a cultura em geral numa frequência mais ousada, na perspectiva de descobrir novos caminhos e de encontrar outras linguagens. Que, olhando para o passado e para o presente, tentem antecipar o que será o futuro, que tenham capacidade de viver antes do seu tempo.

Também faltará um representante de gerações mais jovens, que tanta dinâmica têm imprimido à cultura do concelho e que colocaram Leiria num mapa de que andava arredada há décadas.

Para concluir, os nomes propostos não estão em causa. São escolhas que garantem um trabalho sério e de qualidade. Faltam é outros que possam acrescentar diversidade, criatividade, linguagem e pensamento distintos.

No entanto, olhando para o que se conhece de quem integra a equipa, fica a garantia de que haverá a inteligência de chamar outras personalidades para contribuírem com as suas opiniões, ideias e propostas que possam acrescentar valor e diferença ao projecto.

*director