Opinião
Há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável*
A pandemia - e não só de Covid - dura em ambos os lados do Atlântico
No entanto, Trump foi finalmente arejar para o raio que o parta.
A somar o ataque ao Capitólio, esta era pós traumática compara-se ao pós 11 de setembro, e é nesse contexto que foi escrito o livro Meet Me In The Bathroom: Rebirth and Rock And Roll In New York City 2001 - 2011, da jornalista, Lizzy Goodman.
Editado em 2017, para quem ainda não leu, pode aproveitar as horas mais caseiras e confinadas do estado atual desta vida que tende sempre a piorar antes de melhorar.
Também pode ser lido numa perspetiva de pós Covid - e pós eleições presidenciais portuguesas - que neste momento também dá uns ares irrespiráveis.
Que temas levam os músicos de hoje a escrever? Material não falta. Ronald Regan forneceu ao punk nos Estados Unidos imensa inspiração.
Com Trump foi mais o hip hop, pois este estilo musical ganhou, com todo o mérito, o estatuto de pièce de résistance.
O livro tem situações surreais: a dada altura, havia uma lei nos bares de Nova Iorque que proibia dançar.
Em caso de inspeção, avisavam o DJ, e este metia o Kid A, dos Radiohead.
Não são só os ingleses que têm um humor refinado.
É neste ambiente que se dão grandes transformações, naturalmente com o 11 de setembro de 2001 à cabeça. Mas também a era pós grunge, a ressaca do nu metal, os Oasis e os Blur a lamber as feridas da década anterior, uma altura em que os Coldplay eram considerados alternativos.
"As bandas queriam imitar os Radiohead, o pós britpop estava estranho, diz Vito Roccoforte, baterista dos The Rapture.
E explica: "havia uma terrível terra de ninguém preenchida pelos Coldplay e pelos Travis", lembra, por sua vez, o jornalista Conor McNicholas. A banda do ano (2001) para a revista Spin foram os U2, Rudolph Giuliani (sim, esse mesmo) comandava os destinos de Nova Iorque, com a especulação imobiliária e o mítico espaço de concertos CBGB em fase descendente.
Os The Strokes rebentam em pouco tempo. Por todo o lado. Ficou tudo doido. James Murphy, da editora DFA e mais tarde dos seus LCD Soundsystem, estava lá nos sítios certos às horas incertas.
São estórias urbanas que se cruzam. O livro é um verdadeiro retrato do pós 11 de setembro, pré YouTube e Facebook e deve ser lido a partir desse ângulo, mas a pensar no presente.
E agora como será a era pós Trump, pós pandemia? A indústria musical sobreviverá de que maneira? Quantos não vão resistir?
Quantos profissionais de som, luz, festivais, quantas bandas e editoras vão acabar?
Os clássicos voltarão a estar na moda por falta de comparência dos mais vulneráveis?
A tecnologia avançou irreversivelmente desde 2001 e ninguém calará a música. Porém, nada ficará como dantes.
* título de um disco dos Mão Morta
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico