Editorial
Habitar (n)o centro histórico
É inevitável começar este texto por um pouco de passado
Não é preciso recuar muitos anos.
Basta retroceder à época onde a estátua do poeta Francisco Rodrigues Lobo ainda estava no centro da praça que lhe perpetuou o nome, bem no coração de Leiria.
Nesse tempo, a traça arquitectónica dos edifícios com história(s) e a entrada imponente com vista para o castelo, não se revelavam suficientes para contrariar a indiferença generalizada de quem circulava pela cidade.
Ia-se ali à farmácia, à drogaria, à ourivesaria, ao fotógrafo, ao Ateneu, ao banco ou ao café. E, se possível, ia-se de carro.
Sim, nesse período, havia trânsito automóvel na Praça Rodrigues Lobo. E sim, houve muita polémica quando o executivo municipal decidiu impedir a circulação regular de veículos dentro daquele pequeno largo.
Depois disso, demorou tempo para que os negócios dentro da praça se adaptassem à ausência repentina do movimento rodoviário. A agonia das ruas adjacentes veio a seguir.
O comércio definhou quase até à extinção, as habitações antigas foram-se degradando pela falta de manutenção. Vieram então as esplanadas e os bares, recuperaram-se algumas casas, mas geraram-se novos conflitos.
Os moradores passaram a ser confrontados com ruidosas conversas embriagadas, às primeiras horas da madrugada, mesmo em dias da semana. A noite começou a tornar-se menos tranquila, a horas menos movimentadas.
Ao ponto dos residentes resistentes manifestarem receio de passear sozinhos pelas ruas empedradas, as ‘suas’ ruas. Houve até uma outra polémica, quando se cortaram as ‘emblemáticas’ laranjeiras no Largo Cândido dos Reis, também conhecido como Terreiro.
Tudo isto (e muito mais) faz parte de um passado recente da parte antiga da cidade. Um núcleo urbano, que apesar de pequeno, não conseguiu resistir a uma certa moda de desenvolvimento. Um núcleo urbano que se viu esvaziado de vida.
E que agora parece estar a ganhar novo fôlego comunitário, como se pode comprovar pelo testemunho das várias famílias ouvidas esta semana pelo JORNAL DE LEIRIA a propósito do repovoamento do centro histórico.
Na verdade, o novo rumo dos acontecimentos pode até ter sido influenciado pelas regras de mercado. Mas isso, agora, será o que menos interessa.
O importante é que está a germinar uma nova ‘alma’ no coração de Leiria, uma zona que sempre teve o seu charme natural, mas que as tendências e as vontades tinham vindo, consciente ou inconscientemente, a desprezar.
Saibam os leirienses aproveitar.