Opinião
Histórias caseiras II
"É muito engraçado pensar que no mundo das flores há uma vida parecida à nossa."
No regresso às aulas, como prometido, deixo-vos a segunda parte da minha história infantil, apelando mais uma vez à vossa capacidade de imaginação. Não se esqueçam que isto seria muito mais giro ilustrado, pelo menos é essa a minha convicção. Se necessário, façam uso dos motores de busca!
No final, espero que a moral desta história se reflicta no dia a dia de todas as crianças e que o respeito, a tolerância, a aceitação e a inclusão sejam sempre o fio condutor daqueles que educam.
No meu sonho eu já tinha tudo organizado!
Primeiro, flores em forma de altifalantes, como as trompetas de anjo, anunciaram a abertura de portas do desfile e apresentaram as características da coleção primavera-verão. Depois, para dar um cheirinho bom ao envolvimento, alfazemas, alecrins e lavandas borrifaram incansavelmente o ambiente. E antes ainda do desfile propriamente dito, houve tempo para um espetáculo de dança. Uma performance do grupo Buquê animou a plateia, com um mix de flores do campo a dançar hip hop. O break dance dos pampilhos foi espetacular! Rodopiaram vezes sem conta sem parar, não sei como não ficaram tontos!
Depois, veio a parte séria. Várias flores, alinhadinhas nos bastidores, representando designers e costureiros anónimos começaram a desfilar.
Os tecidos amarelos foram os primeiros a percorrer a passarela. O musculado girassol, alto e cheio de brilho abriu o desfile; depois um jarro de vestido comprido desfilou sem tropeços, super elegante; seguiu-se uma tulipa que vestia uma minissaia engomadinha de seis pétalas; e para terminar, duas ou três craspedias, já não me lembro bem, rebolaram cheias de vigor pela passadeira abaixo.
Os vermelhos vieram a seguir. Um hibisco armado em fino de chapéu na cabeça foi o primeiro; depois um cheiroso cravo repleto de folhos; uma dália redondinha de saia volumosa e por último uma crista de galo, no seu excêntrico vestido rendilhado, percorreu glamourosamente a passarela, fazendo lembrar a Jessica Rabbit, uma personagem da Disney que conheci numa sessão de cinema com os meus pais.
Os cor-de-rosa apareceram depois. Magnólias de túnicas esvoaçantes desfilaram lado a lado, num exercício de dança sincronizada; depois várias orquídeas de vestidos sedosos pavonearam-se pelo palco, seguidas de cravinas de bainhas brancas e de tímidos botões de camélia.
Para os mais clássicos, vieram ainda as flores mais clássicas. Aquelas que toda a gente sabe desenhar e que aparecem sempre nas nossas ilustrações da escola. Aquelas tipo sóis. Arrumadas, simples, simétricas, unicolores ou multicolores: margaridas, crisântemos, gerberas e malmequeres, de golas repletas de pétalas alinhadas e impecavelmente bem penteadas.
Para os mais excêntricos seguiram-se alguns modelos mais ousados, como os bailantes brincos de princesa; as pampas cheias de plumas; e as gigantes próteas, quais princesas de coroa na cabeça!
Por último, como não podia deixar de ser, desfilaram os vestidos de noiva. Uma perfumada gardénia de panos brancos desfilou vagarosamente, exibindo um longo véu de pétalas; e logo depois o melhor exemplar de vestido de amor para casar que eu já tinha visto: um ramo lindíssimo de cravos-do-amor, cheio de pequeninas florzinhas brancas que no conjunto se transformavam num rico tule florido.
Lembro-me de estar super feliz e de ver as pessoas a aplaudir o tempo todo. Estavam como eu, boquiabertas com a originalidade e beleza que viam diante de si.
As flores, as personagens principais, estavam muito nervosas, mas ao mesmo tempo muito entusiasmadas por se poderem exibir daquela maneira. Eu bem vos disse que elas eram muito vaidosas!
E foi assim o meu sonho! Conseguiram imaginar? Conseguiram ver as flores vestidas de gente?
Acordei muito sorridente e com a esperança de poder voltar a sonhar com as minhas amigas flores. Até queria ter ficado a dormir para ver o que acontecia a seguir, mas o despertador, esse rabugento, chamou por mim bem alto e obrigou-me a abrir os olhos. Pode ser que uma noite destas venha novamente em sonhos a organizar um casamento cheio de fatos de cerimónia ou a dirigir outro desfile. Talvez um desfile de carnaval. É que algumas flores gostam de andar disfarçadas. Há orquídeas, por exemplo, que fazem lembrar macacos, pássaros e outras até que parecem ter bebés na barriga. Há flores ainda que parecem sinos, campainhas, borboletas ou lábios pintados de vermelho. É um verdadeiro mundo de disfarces, cheio de máscaras e camuflagens.
Mas se tiver a sorte de voltar a ter um sonho destes, prometo que volto a contar-vos como foi, se quiserem claro! Eu sei que para se ler uma história e para se ouvir uma história é preciso gostar daquilo que se lê e daquilo que se ouve e vocês até podem não gostar muito de flores ou ser alérgicos aos seus pólenes!
Se entretanto começaram a espirrar, não precisam de ler mais, mas eu não vou deixar a minha paixão a meio, porque eu acho que as fores são parecidas connosco e porque considero que temos muito a aprender com as elas.
Vocês sabem, por exemplo, que as flores também dormem? Quando está sol estão de olhos abertos a observar o que as rodeia, quando o sol se vai embora fecham a porta e recolhem as suas pétalas ou vestem um casaco de sépalas. É muito engraçado pensar que no mundo das flores há uma vida parecida à nossa.
No entanto, há uma coisa que elas não conseguem fazer. As flores não podem passear como nós, estão agarradas à terra. Os seus sapatos enraízam-se no solo e ficam ali quietinhas. Até podíamos ficar tristes por elas, mas não fiquem. Sabem porquê? Eu sei que as flores têm muitos amigos que com elas conversam todos os dias e por quem mandam recados. Elas mandam mensagens cheias de pólenes umas às outras. Nós falamos português e elas, deixem cá pensar, será que falam polenês? Ou será florês?
A abelha, a borboleta, o beija-flor e outros bichos são os melhores amigos das flores. De certeza que já viram flores na conversa com os insetos ou até mesmo insetos que dormiam a sesta naquele disquinho amarelo das flores clássicas. A minha mãe costuma dizer que é uma relação de mutualismo e que às vezes não conseguem sobreviver uns sem os outros. Pudera, eu também não imagino a minha vida sem os meus amigos!
Depois, como nós, para além das características físicas que já vos falei, as flores também têm outras particularidades que as fazem parecer-se connosco. Ora vejam:
Há flores frágeis, como a papoila que facilmente perde as pétalas com um abanico;
Há flores fortes e resistentes que por mais que se agitem não se descompõem;
Há flores que têm sempre muita sede e outras que mal precisam de beber;
Há flores que gostam mais da primavera, do sol quente do verão ou do frio do inverno;
Há flores que gostam mais de ficar em casa e outras que gostam mais de estar na rua;
Há flores boas que nos acalmam e tratam de nós quando estamos doentes, como as mães que nos tranquilizam! A camomila é uma flor dessas, altruísta;
Há flores que amuam e outras que se arrebitam;
Há flores muito observadoras, tipo veados sempre atentos aos predadores, como as estrelícias, e outras que gostam de olhar para baixo, pendendo mais tímidas;
Há flores fofinhas e flores que picam;
Há flores extrovertidas nas suas cores e formas e outras mais sóbrias e envergonhadas;
Há flores perfumadas e outras que nem por isso.
E podia continuar a enumerar semelhanças, mas acho que já perceberam.
Até há pessoas que têm nome de flor e flores que têm nome de pessoas. Como nós, as flores nascem, crescem, respiram, reproduzem-se e morrem.
Não vos consigo dizer se gosto mais das flores espalhafatosas ou se das flores discretas, ou se gosto mais das flores amarelas ou das cor-de-rosa. Sei que todas elas, como nós, têm características que as distinguem e que as tornam especiais e importantes. Tanto dou atenção a uma flor pequena como a uma flor grande, assim como também dou a mão a qualquer criança da minha escola, venha ela de onde vier e seja ela como for.
Acho que as flores são tolerantes umas com as outras, convivem no mesmo espaço, partilham os mesmos amigos e os mesmos elementos, como a terra, a água, a luz e o ar que respiram. Numa festa de anos, de certeza que convidariam todo o jardim, ninguém ficaria de fora por ser diferente.
Ok, algumas flores são mais vistosas e outras mais simples, mas continuam a ser flores na sua essência, assim como cada criança contínua a ser criança, mesmo que não saiba brincar ou mesmo não tendo roupas bonitas e uma mochila nova.
Às vezes, acho que devíamos ser todos mais parecidos com as flores. Somos todos diferentes, mas também continuamos a ser bonitos nessa diferença. E há quem não perceba isso. E, mesmo que não pareça, nós também murchamos por dentro quando estamos tristes.
As flores precisam de ser cuidadas e nós também, não se esqueçam!
Eu gosto de flores e vocês, gostam de quê?