Editorial
Histórias com gente dentro
Por trás de um paciente, há sempre um nome, um apelido, uma família, um grupo de amigos, uma comunidade.
Quem já passou pela experiência de entrar numa unidade de cuidados intensivos, na qualidade de doente ou de simples visitante, decerto recordará o silêncio, entrecortado pelo apito compassado, que marca o ritmo de vidas em suspensão.
É um som ténue, mas que, por vezes, assinala a fronteira entre a vida e a morte. Nestas salas, não importa o tipo de doença. Só importa vencer a batalha.
Há quem por lá passe e não resista, mas também há quem dali saia recuperado, com uma história para contar.
Quem lá trabalha todos os dias acumula ‘vitórias’ e ‘derrotas’, num somatório de histórias, que nem sempre são fáceis de (di)gerir.
Por trás de um paciente, há sempre um nome, um apelido, uma família, um grupo de amigos, uma comunidade.
E os últimos dois anos foram especialmente duros para os profissionais de saúde em geral e para os médicos e enfermeiros afectos às unidades de cuidados intensivos em particular.
Ainda hoje, volvidos tantos meses, são muitos os que carregam as marcas das horas que passaram a trabalhar artilhados, da cabeça aos pés, com equipamentos de protecção individual.
São cicatrizes na pele, mas não tão profundas psicologicamente como aquelas que ficaram quando se ouviu um doente despedir-se da mulher e dos filhos, antes de lhe ser induzido o coma, e depois foi preciso comunicar a essa mesma mulher e filhos que o seu ente querido não tinha resistido.
À parte deste confronto permanente com os sentimentos alheios, estes profissionais de saúde tiveram ainda de lidar com pontuais tiques de sobranceria.
Mesmo às portas de ficarem dependentes de uma máquina para respirar, houve pacientes que se revelaram verdadeiros testes à paciência.
Ora porque tinham posses e se julgavam com capacidade para comprar a cura, ora porque tinham filhos doutores e duvidavam do conhecimento dos jovens médicos que encontravam pela frente.
A todos foi preciso responder com o mesmo grau de entrega, profissionalismo e humanismo. Sem olhar à idade, ao estatuto social, à personalidade, à cor, à raça ou crença religiosa.
É disso que nos falam os profissionais de saúde da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do hospital de Leiria, no trabalho de abertura desta semana no JORNAL DE LEIRIA. Para ler e reflectir.