Opinião

INSTAPAN

6 jun 2019 00:00

Se como diz a cartilha dos publicitários, toda a publicidade é boa publicidade, então o PAN foi o grande vencedor das Eleições Europeias.

Os 5% que arrebatou nas urnas, mais ou menos arredondados entre a besteira abstencionista e os votos do disparate nulo/branco, foram, de longe, os mais comentados. Entre apreciações positivas e negativas, desenvolvidas pelo quem é quem dos políticos e dos comentadores, pouco se fala doutra coisa. Se o PAN vem para ficar ou se é outro balão de ar lançado para a atmosfera carregada da Política, só mais tarde saberemos. No entanto, o caminho é meteórico o suficiente para o PAN estar na pole position da nova geringonça, como demonstra o ritual de acasalamento do nosso Primeiro-Ministro com as novas estrelas da política Portuguesa. 

Eu não votei no PAN. Como eleitor, prefiro outros programas, outras sensações.  No entanto, nada tenho contra um Partido que se empenhe em causas que me parecem perfeitamente justas, nomeadamente no seu âmbito da defesa dos direitos dos animais, que só poderíamos aplaudir, se não nos tivesse tornado tão cínicos, isto da Política. No que toca à preocupação ambiental, este partido é como os outros: alarmista. Há muito para discutir sobre as realidades do aquecimento global, e, acima de tudo, acerca da hierarquização deste problema perante quase todos os outros, com os quais, pelos vistos, nos habituámos a conviver: a fome, a  escassez de água potável, a educação. Problema trágicos que perduram, pendurados na Humanidade, desde há longo tempo, quando ainda nem se falava do aquecimento global. Bjorn Lomborg,  líder do Copenhagen Consensus (um think-tank dedicado ao ambiente e economia) apresenta uma teoria alternativa muito válida, que analisa o custo/benefício da empreitada épica pelas energias renováveis. A sua análise conclui que estamos a gastar muito para conseguir muito pouco e que esse brutal investimento deveria ser canalizado para resolver a fome, a falta de água potável e a educação. Pelas suas contas não só sobraria dinheiro como se percorreria um caminho mais efectivo até a uma verdadeira consciência ambiental. Dá como exemplo a cidade do México, onde agora, depois de se terem equilibrado, suficientemente, as injustiças sociais, a população tem como objectivo primário a qualidade do ar da sua cidade, forçando os politicos a meterem este assunto na sua agenda com resultados que se começam a notar com o decréscimo dos níveis de poluição da capital Mexicana. Em suma, Bjorn Lomborg, diz que se está a fazer o caminho ao contrário, isto é que, só alimentando, democratizando o acesso à água potável e educando os mais desfavorecidos, este problema, que é de todos, entrará também no radar de todos, ricos e pobres, Europeus e Africanos, esperando ele que a virtude deste entendimento leve a um empenho real, sem demagogias ou negociatas, na defesa do património comum da atmosfera e recursos.

Penso que o mesmo se passa com os direitos dos animais. Estando eles consagrados há já vários anos na Lei, nem sempre a nossa mentalidade os acompanhou. E o mérito de trazer estes para a ordem do dia é uma coisa positiva, independentemente das origens do PAN, do seu futuro, de se vir a tornar Governo ou não. A forma como depois o cidadão organiza hierarquicamente as suas prioridades é uma escolha pessoal e, no meu caso, penso que, não deixando de ser um assunto essencial assim como as alterações climáticas, estou mais na linha de pensamento de Lomborg, acreditando que ao tratar dos velhos problemas da Terra e de quem a habita, chegaremos a um entendimento melhor do que nos rodeia, árvores, animais, mares. Porém se embarcarmos na euforia de resolver logo tudo duma vez ao decretar estados de emergência climática e ao não perceber, ou melhor ao ignorar, que muito se tem evoluído no tratamento dos animais a nível da psique colectiva, faremos mal. Hoje em dia maltratar um animal não é uma coisa comum. É visto e bem como uma maldade de pessoas sem formação. Já não é o mesmo que o velho pastor do Alentejo mandar uma cajadada ao seu cão por ignorância pura. Em 2019 essa violência, tal como bater nos filhos ou na mulher, é, e bem, perseguida não só pela Lei mas pelo espirito da cidadania, o que é sinal de um enorme progresso na forma como encaramos os animais, muito mais benigna e humana, do que, por exemplo, há dez anos atrás. Decerto que tal como na violência doméstica ainda há muito a fazer, mas não podemos afirmar somente coisas extremas, e pura e simplesmente apagar o progresso que muitas ONG, a Quercus, os Verdes, já conseguiram, ainda nem se ouvia falar em André Silva. Um bom exemplo: há cinco anos quando viajávamos de Verão era um sem número de carcaças de animais mortos e abandonados na estrada. Hoje em dia, é muito raro ver isso, sinal que se adoptaram políticas certas não só na limpeza das estradas mas também nas acções de sensibilização para o não-abandono dos animais e, de igual modo, a construção de uma melhor rede de acolhimento. Os hotéis para animais de estimação são extremamente comuns hoje em dia. Repito, em definitivo há muito trabalho a ser feito mas temos de ter cuidado em não fazer tábua rasa daquilo que muito ambientalista, antes da histeria pelo PAN, já tinha garantido.

O Instagram é a rede social que mais cresce.  Acertou em cheio no seu target e fez do comportamento narcísico das pessoas a sua matéria. O Evereste em 2019 está cheio de corpos tombados à procura da fotografia perfeita. As praias cheias de “modelos alternativos” que, segundo a legenda das próprias fotografias partilhadas, “só Deus pode julgar”. É a puta da loucura. É a humanidade ao espelho. Estando o PAN também  em puro crescendo, o que me preocupa é que um voto no PAN é também um voto de protesto. Contra quem? Contra a nossa própria espécie. Muitos dos eleitores do PAN não votam só por amor aos animais e à natureza. Votam também motivados por um ódio indisfarçável ao “próximo”, manifesto publicamente nos seus perfis sociais e na conversa de rua “quanto mais conheço as pessoas, mais gosto dos animais.” Um sentimento que faz com quem vote  PAN se sinta melhor que outra pessoa que mesmo gostando muito de animais, não consegue perceber por exemplo a relação de comparação ao amor entre um pai e o seu filho (humano). É isso que, para mim, mancha um pouco o resultado do PAN e me faz prever para o partido um futuro menos brilhante do que aquele que poderia ter, se os seus eleitores não tivessem, por vezes, discursos que roçam o apelo ao extermínio da raça humana.

Tudo isto pode ser muito bonito, ou tornar-se até muito feio, só o tempo o dirá mas há uma certeza que nem o maior misantropo, que vive em casa com mil gatos e os ama “como filhos” poderá negar: a de que, como sintetiza Bjorn Lomborg, só  continuando o trabalho de arranjar melhores condições para as pessoas, isto é, alimentar, matar a sede e educar os seres humanos poderemos então, em consciência, empreender um verdadeiro resgate da nossa natureza. Por enquanto a inteligência sensível da natureza e dos animais ,  como refere Aristóteles, não chega para formar governo, fazer leis ou orientar um país. Ainda precisamos do velho e gasto ser humano e é a ele, em primeiro lugar, quer se concorde ou não, que temos de proporcionar uma vida melhor, mais rica em condições para entender e defender o espaço que o rodeia. 

*músico