Opinião

Leitores com tesouras

14 ago 2025 08:01

Perante um exponencial crescimento de produção de dados, será realmente necessário conservar todos os livros e documentos para leituras futuras?

«Nunca serão vinte volumes enciclopédicos a fazer uma revolução. São os pequenos livros portáteis os que mais devem ser temidos.»
Carta de Voltaire a Jean Le Rond d’Alembert  (Abril de 1777)

Numa dessas manhãs lentas, um luxo que começa a ser raro, cheguei à leitura de um texto de Enrique Vila-Matas publicado no El País com o título Por um humanismo transformador dedicado à obra El arte del saber ligero - Una breve historia del exceso de información (ed. Siruela) do ensaísta catalão Xavier Nueno, no qual defendia uma diferente ideia de biblioteca e uma nova forma de conhecimento, mais leve e portátil. 

Vila-Matas, num elogioso comentário ao livro, recomendava que «seria muito desejável que ele desse a volta ao mundo» e promovesse a reflexão sobre uma das principais problemáticas da sociedade contemporânea – como equilibrar tradição, excesso informativo, capacidade de selecção, falta de atenção e tempo e uma cada vez mais exigente necessidade de compreender criticamente o mundo que nos rodeia.

A «volta ao mundo» seria curta pois não consegui resistir durante muito tempo à sedução de ler este ensaio fascinante que percorre as transformações históricas da relação que temos mantido ao longo dos séculos com a leitura.

Com um título aparentemente enganador, Nueno propõe ao leitor uma forma consciente de lidar com o excesso de informação, cultivando um conhecimento mais livre e reflexivo.

Mostrando que a sobrecarga de informação não é um fenómeno exclusivamente contemporâneo, e que muitos outros leitores a experimentaram com inquietação no passado, a tese de Nueno irrompe como um farol que contribui para estabelecer limites ao desejo de tudo saber, propondo formas de conhecimento mais ligeiras. Um regime frugal de acesso à informação num mundo saturado de conteúdos. 

Perante um exponencial crescimento de produção de dados, será realmente necessário conservar todos os livros e documentos para leituras futuras? Será possível estabelecer um eficaz equilíbrio entre a aquisição de conhecimento novo e a preservação da tradição?

Javier Nueno reflecte e defende, pois, a arte da redução do conhecimento (faz mesmo o elogio dos leitores com tesouras que apenas recortam excertos a seu bel-prazer) assente na premissa de que a barbárie tanto pode advir da escassez como do excesso de informação, uma prática que relaciona com o conceito de humanismo transformador. Ao convocar conhecimento de forma abreviada, mas também mais lenta e reflexiva, será mais fácil pensar e compreender o mundo actuando sobre ele de modo significativo. 

Não defendendo uma ruptura com a tradição erudita, Nueno toma o Montaigne como leitor modelo – «Montaigne definiu uma prática mundana do conhecimento […] Ao realçar o uso lúdico e despreocupado da biblioteca, intuiu a possibilidade de uma forma de conhecimento distante daquela que os académicos da sua época votavam aos livros.»

Também Xavier Nueno faz o apelo de um conhecimento assente na curiosidade, no prazer da descoberta e na alegria da novidade, muito distante dos pressupostos do cenário de superabundância informativa em que vivemos. Mais do que uma proposta de novos conceitos, El arte del saber ligero é um convite para reinterpretar a natureza do conhecimento num mundo em profunda transformação, onde talvez menos seja realmente mais.