Opinião
Letras | António Gedeão, Príncipe Perfeito, de Cristina Carvalho
E porquê “Príncipe Perfeito”? Porque uma turma no Liceu Camões assim o apelidou, passando a ser assim conhecido no meio estudantil. Terá sido esse – parece-me – o maior de todos os prémios
Habituou-nos a escritora Cristina Carvalho ao lançamento de tantos e vários romances biográficos, na sua muito original forma de os tecer, entrelaçando narradores em 1ª e em 3ª pessoas, onde se introduz ela própria num misto de autora e de narradora. E habituei-me eu a lê-los, pelo entusiasmo da leitura e por aprofundamento do saber.
O primeiro desses romances biográficos que li foi A Saga de Selma Lagerlöf, (Relógio D’Água, 2018) que logo me encantou pelo estilo vivido, apaixonado, naquele novelo de tempo, espaço, narradora e narrada. Logo em 2019 editou Ingmar Bergman - O Caminho Contra o Vento; em 2021 Strindberg - Neste Mundo Fui Apenas Um Convidado; em 2022, W.B. Yeats - Onde Vão Morrer os Poetas; em 2023, Paula Rego - A Luz e a Sombra e, recentemente, em 2024, António Gedeão - Príncipe Perfeito – para nomear apenas os romances biográficos. Devo dizer que, de todos os que li, sem desmerecer a poética com que Yeats é “tratado”, o que mais me fascinou foi o que escreveu sobre Paula Rego, talvez pela luminosidade da biografada e pela abertura desassombrada da linguagem e da narrativa em si.
O livro que hoje aqui trago é uma reescrita da breve biografia Rómulo de Carvalho/António Gedeão – Biografia, publicada em 2012 pela Editorial Estampa. “Livro construído e preparado entre Janeiro e Julho o ano de 2012, dia a dia, hora a hora, sono a sono de noites com noites. Assuntos íntimos difíceis de perceber” - isto escreve a autora/filha na nota prévia à obra atual. De facto, é-me difícil entender como conseguiu a autora o distanciamento necessário para o escrever – bastante mais fácil e possível de alcançar para a escrita das outras biografias romanceadas. O amor, a admiração, o encantamento por um homem pluridisciplinar, erudito, conhecedor da vida e dos livros, trabalhador polifónico e incansável, reconhecido por todo um escol que foi das Ciências às Letras, à História e à Poesia e que foi seu pai, dificilmente permite esse distanciamento. Mas permite, pelo avesso, que ali leiamos a terna aproximação que nos deixa contactar com o homem do dia-a-dia, algo do seu íntimo, os seus gostos mais “terrenos”, os seus desapegos, as suas alegrias e algumas das suas tristezas, a sua paixão pelo ensino, a sua personalidade enfim.
Ao longo dos trinta breves capítulos que compõem o livro, alternando com os que falam da sua forma de ser, contactamos com o decorrer da sua vida: o nascimento, a infância, a mãe Rosinha – personagem tão surpreendente e tão marcante na sua vida – a adolescência, os casamentos, os liceus onde trabalhou, os alunos que tanto amou, os prémios – muitos – que recebeu, “nascimento” e “morte” do poeta Gedeão… constantes e importantes menções a trechos das “Memórias” de Rómulo.
E porquê “Príncipe Perfeito”? Porque uma turma no Liceu Camões assim o apelidou, passando a ser assim conhecido no meio estudantil. Terá sido esse – parece-me – o maior de todos os prémios, mesmo para além doa atribuído pelos Ministérios e pelas Universidade.