Opinião
Letras | Continuando na senda das leituras de Abril...
É, como parece estar à vista, uma perspetiva pessoal, muito bem documentada, do como se foi preparando a queda de um regime obsoleto
...e na celebração dos seus 50 anos, não há como não trazer aqui a narrativa pormenorizada dos acontecimentos que nos livraram do cinzentismo dos 48 longos e tristes anos de ditadura, escrita por quem os viveu muito por dentro, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém (EPC), de onde, naquela noite, partiu integrando a vitoriosa coluna comandada pelo intrépido e também vitorioso Capitão Salgueiro Maia.
Falo do livro Dos Espinhos de Maio aos Cravos de Abril – outros alicerces da autoria de José Afonso Pedrosa de Oliveira, lançado em novembro último e editado pela Hora de Ler, de Leiria. (Uma nota especial para esta editora unipessoal, sempre pronta para lançar e propagar os escritos leirienses sejam eles breves ou de monta.)
O autor, leiriense de Marrazes, tendo embora feito a sua vida em Lisboa, e agora de regresso à terra mãe para “escrever, ler e pensar”, aventurou-se a lançar um livro de memórias autobiográficas, realçando fortemente a sua vivência de alferes miliciano na EPC e de orgulhoso participante na passagem da nevoenta noite de 24 para o luminoso 25 de Abril. Um livro em camadas: o autor – fervoroso antifascista, desde muito jovem membro ativo da Juventude Operária Católica (JOC) que, pelos anos 60, começou a escrever para os jornais, muitas vezes usando o pseudónimo de Pedro Sá (desdobramento do seu apelido Pedrosa) a fim de ludibriar a Censura. Desde muito jovem, também “seguido” pela PIDE. É com esse pseudónimo agora justificado apenas por questões emocionais, que assina este livro.
O narrador: um dos netos que veste a pele de entrevistador do avô sobre a sua participação ativa no contexto pré-revolucionário e de narrador da vivência antifascista do avô, que absorve da leitura do seu cuidado e completo espólio documental, o qual guarda memórias de natureza política, mas também familiar que remontam ao início do Estado Novo – daí os “espinhos de Maio” do título, apontando para o desditoso 28 de Maio de 1926.
Ao leitor agora interessado em saber mais sobre a “epopeia” da Revolução, talvez convenha especialmente ler a “viagem” pelo espólio documental do autor que se inicia no capítulo “Por entre as brumas” (p. 47) onde refere momentos determinantes como a trapaça da não eleição de Humberto Delgado (1958); a queda o Estado da Índia (1961); a visita não oficial do Papa Paulo VI a Fátima (1967); a queda “da cadeira” de Salazar. E depois, os anos de 1973 (p. 75) e de 1974 (p. 127) que retratam pormenorizadamente os acontecimentos pessoais mas também o que se ia passando no país – nos capítulos “Cá por fora”, estes sim, francos registos históricos.
É, como parece estar à vista, uma perspetiva pessoal, muito bem documentada, do como se foi preparando a queda de um regime obsoleto e de como, com os fracos meios disponíveis, aquele movimento de capitães e de milicianos conseguiu valentemente fazer a mudança.
Um apoteótico tributo aos militares de Abril, nomeadamente ao Capitão Salgueiro Maia com quem o autor serviu.