Opinião
Letras | Gramática da Fantasia: Big bangs na cabeça, nos ouvidos e no coração
Todos nós somos camadas de muitas pessoas, situações e claro de afetos e de música e de outras artes e do cheiro do mar
Escrevo ao som dos A Naifa e no meio “desta depressão que me anima”, “ou de uma flor a florir desmedida” para pensar que todos nós somos camadas de muitas pessoas, situações e claro de afetos e de música e de outras artes e do cheiro do mar. E que esta vida breve que aqui vivemos, não seria a mesma sem as pessoas de que gostamos e das memórias feitas culturas que aqui vivemos e deixamos de legado.
Dizem e nós acreditamos que o nosso corpo é composto por átomos e por 70% de água e no que diz respeito à alma, e para as artes talvez esses 70% não cheguem, e a bastarem serão os restantes amor e desamor e quase de certeza alguns textos do Afonso Cruz. “Gosto da cidade e da publicidade, gosto do campo e do manto, gosto do mar e do lar, gosto do ar e do radar, gosto de ti e de ti…”
Há dias na Youth Action Culture, que aconteceu nas Caldas da Rainha, encontro internacional organizado pelo Plano Nacional das Artes - Porto Santo Charter e pela ESAD.CR, para pensar o papel dos jovens nas artes na construção do futuro e da democracia, falava-se das artes como porto de abrigo, onde cada um podia ser o que quisesse sem cabimento a julgamentos, ou a ser exposto a fragilidades por ser quem é.
Sui generis, acutilante e mesmo a propósito a forma como o artista João dos Santos estabeleceu a analogia aos lugares seguros que deviam ser o da cultura e das artes, à de uma Millennium Falcon, a mítica nave da saga Star Wars gravitando no presente e no futuro.
Também da conferência, entre muitas inspirações e palavras novas a somar ao léxico ressoa-me uma nova entrada: extituição, que quer dizer mais ou menos o sair de mim, ou da instituição para olhar para outro que está cá fora... sair de mim para encontrar outro, numa lógica de gratuidade. Extituir numa lógica de abrir portas e ir ao encontro de outrem. Parece fácil, mas não é.
Guardei também comigo no wallpaper do telemóvel, um cartaz que dizia que: o meu lugar na cultura é acordar os velhos. Não sei se ficar velho no ideal de quem o concebeu era deixar de acreditar ou de ter um big bang saudável na cabeça todos os dias, mas fiquei a pensar que se algum dia ficar verdadeiramente velha que me dêem uns quantos abanões ou bebidas energéticas.
Talvez ficar velho seja passar a produzir ideias inertes, expressão que encontrei em Rúben Alves quando dizia que há dois tipos de ideias, as inertes e as com poder gravitacional. As primeiras não fazem nada de especial, diz ele que a memória as apaga e que as atira ao lixo, já as de poder gravitacional são as que têm poder de chamar outras. Nunca andam sozinhas. São sóis do sistema solar que a nossa mente é, e produzem big bangs na cabeça e destes nascem universos. É assim que acontecem a poesia, a literatura, a música: basta que uma única ideia expluda, e eis a obra. Oh i have voices in my head and i don't know if they fade away... ( Wolf Manhattan)
E volto aos A Naifa com big bangs na cabeça, nos ouvidos e no coração.
“Gosto da cidade e da publicidade
Gosto do campo e do anto
Gosto do mar e do lar
Gosto do ar e do radar
Gosto de ti e de ti
Quando partires, se partires, terei saudade
E quando ficares, se ficares, terei saudade
Quando partires, se partires, terei saudade
Terei sempre saudade
Terei sempre saudade
E gosto assim…”
* expressões entre aspas retiradas de poemas que compõem as letras para as músicas de A Naifa