Opinião

Letras | Gramática da Fantasia : Matemática ou Empatia? Português ou Fotografia?

14 mai 2022 20:00

Há uns quantos como eu que estão do outro lado da barricada, que acreditam numa escola feita de pessoas e de experiências diferenciadas

Há um livro álbum ilustrado bem giro chamado O Muro No Meio do Livro. Numa aparente historinha simples para crianças como alguns a consideram, há um muro sólido e forte que separa o lado bom e seguro do livro, do lado mau e perigoso do livro.

No Muro no Meio do Livro, de um dos lados há desconfiança, há preconceito, ideias feitas e pouca vontade de arriscar e aceitar que do outro lado da barricada podem haver surpresas boas e uma alternativa boa, assim lhe dermos uma oportunidade… De um lado há a zona de conforto, o convencional e o medo do desconhecido… do outro só conheceremos se lhe dermos uma oportunidade.

Nos meus dias menos bons, aqueles de crise existencial que me levam a questionar tudo em que acredito, confesso que às vezes me deixo levar por incertezas e inquietações quando haja quem questione o valor das artes na escola e na educação. Respiro fundo e pergunto com um sorriso: Podemos pelo menos tentar?

De um lado do muro há os céticos, os preocupados com os rankings, com os programas, os que entendem as artes como entretenimento ou como algo acessório na educação ou na formação das pessoas. Deste lado do muro podem haver professores, educadores, pais e pessoas comuns que legitimamente se preocupam com o futuro dos filhos, com as notas, com os rankings, ou com a matéria que vai sair no exame, quando é altura de prestar provas, porque são as provas e as matérias legitimas e legitimadas que contam, que dão trabalho, ou acesso a níveis que vão escalando na hierarquia. Depois há uns quantos como eu que estão do outro lado da barricada, que acreditam numa escola feita de pessoas e de experiências diferenciadas, diferenciadoras e incorporadas nas aprendizagens em contexto, a fugir à norma e a promover espaços de diálogo, pensamento divergente e empatia e resiliência.

Quando houver quem se questione sobre a importância das saídas ao meio e do desenvolvimento de projetos artísticos e outros percursores de experiências diferenciadoras e de democracia, sugiro que façam um furo, ou arranjem uma escada e espreitem um bocadinho para o outro lado do muro, com calma e observem: numa saída a pé à cidade, estamos a trabalhar o espírito de grupo, a resiliência e a educação física. Ao entrevistar pessoas na rua a capacidade de comunicação, expressão, consolidação de conteúdos, espirito crítico. Também a capacidade de observação e de relação com os outros e com o meio. Numa performance ou manifestação em torno do património a criar laços com a história, com a cidade e com o território.

Se quiserem aprofundar ainda um pouco mais perguntem aos vossos filhos e alunos, por exemplo como é que aprenderam numa “simples” saída ao meio ou envolvimento num projeto o que é o património, quem foi o Charlie Chaplin, ou o John Cage, ou sobre o racismo ou sobre liberdade… Podem perguntar ainda o que aprenderam com a equipa que corta a relva da cidade, sobre natureza, rega, flores e até arbitragem, perguntem nomes de peixes ou de legumes, ou como se faz pão e morcela como aprenderam no Mercado Municipal, e a fazer contas de cabeça para os trocos… podem perguntar também o que faz uma terapeuta da fala e uma terapeuta ocupacional, ou quantos tipos de arroz existem e como se podem confecionar, o que é cerzir, como era a cruz que a Madonna trazia ao peito nos anos 90 e também quem é a Madonna ou os First Breath After Coma… Falem-lhe em Telmo e vão ver o que vos respondem… Experimentem perguntar quem é a equipa por detrás de muitos eventos para a infância e juventude na nossa cidade, ou se conhecem onde se fazem os melhores bolo, perguntem o que é o stop motion e com quem aprenderam para que serve o m|i|mo, o momento decisivo ou a profundidade de campo. Se tiverem um bocadinho mais de paciência, continuem a espreitar por cima do muro para perguntar quem foi Mário Soares e se já ouviram dizer que aqui perto há uma fundação que trabalha em seu nome… Se sabem a diferença entre concertina e acordeão, e que na cidade há também um merceeiro de quase 90 anos, que vende fruta, chinelos e instrumentos musicais… Que com a menina da livraria aprenderam que há livros que mesmo sem palavras contam histórias bonitas como ela, como a do fotógrafo que entrevistaram que também é músico e podia ser político, e que já fotografou quase todos os notáveis em Portugal e muitos no mundo, incluindo dois Papas… e que quando lhe perguntaram os miúdos como foi a viagem à Ucrânia e o que tinha aprendido, responde com um sorriso e um nó na garganta: algo que ainda não sabia fazer: fotografar e chorar ao mesmo tempo!

E é isto que se passa deste lado do muro… aprendizagem, empatia, sensibilidade, afeto, relação. Se quiserem visitar-nos cá estaremos deste lado para vos receber, mas aqui entre nós que ninguém nos lê… melhor mesmo seria demolirmos o muro e fazer uma ponte ou abrir caminho para nos encontramos transversalmente sem barreiras, aliando Matemática à empatia, português e fotografia.