Opinião
Letras | Gramática da Fantasia: Natal ou o ímpeto de ser culto
Para este recomeço e Natal que aí vem, para além de sonhos e concretizações, desejo a todos um renovado ímpeto de ser culto e de mutuamente o cuidarmos e sonharmos em conjunto
Tenho muitos livros e papéis em cima da mesa de onde vos escrevo. Não vou tentar descrever-vos esta amálgama de papéis, óculos, livros, snacks, lápis e coisas afins pois nesta altura do ano temos todos muito que fazer e essa descrição seria uma perda de tempo. Mas dos dois que tenho à mão esquerda enquanto escrevo, vou beber aos títulos inspiração para vos escrever.
Não sei ainda se nesta incursão falarei de cultura e artes, como habitualmente, mas certamente falarei de pessoas... e isto andará tudo ligado não é verdade?
Imagine como seria... é o título de um deles... Imagine como seria criar um novo futuro, continua para o subtítulo... e eu já estou a imaginar coisas triviais como ir ao shopping em dia de confusão e querer jantar com duas crianças e procurar mesa... há as mesas atafulhadas de restos de fast food, onde a malta fica à conversa porque já lá estava, depois há os que estão só a guardar mesa para quem ainda vem, e que são muitos. Continuo à procura, até que me cruzo com uma grávida a empurrar um carrinho de um outro bebé com um tabuleiro na outra mão... nada... continua a procurar, junta-se a mim e à grávida com o tabuleiro numa mão e um outro bebé no carrinho, um senhor de meia idade, a empurrar a cadeira de rodas da mulher... e rodopiamos entre as mesas do shopping, à espera que alguém se levante para nos dar lugar. Espera está ali uma, mas logo vem a miúda com sacos na mão, que diz que chegou primeiro, e eu e a grávida e o senhor com a mulher na cadeira de rodas, ali na coreografia... Finalmente ali mesmo ao lado vaga uma mesa, que podia ser para nós. A moça grávida deve ter desistido... Ao longe a dança da cadeira com o senhor e a mulher pela mão... “filho vai chamar o senhor por favor!”... “não minha senhora agradeço, mas está com as crianças”... “não se preocupe, que temos tempo... fiquem! Se fosse maior até podíamos ficar juntos”... “ Mãe? Foi o certo?”
Entra o título do segundo livro? O que temos a ver com isto? E nesta altura de Natal, toda a gente bebe e faz asneiras e ninguém leva a mal, mesmo que levem tudo à frente e ponham em risco a vida uns dos outros, provocam-te no trânsito e apitam com a buzina a fundo, estaciona-se em cima do passeio, ou nos lugares para pessoas com deficiência porque é só um bocadinho, não vai atrapalhar ninguém... ou tranca-se carros com outros carros durante horas, e estaciona-se em rotundas, porque toda a gente quer ir ver as luzes. Passam-se rasteiras por bacalhau, ou pelos últimos Mon Chéri do pacote.
Temos tudo a ver com isto, se queremos sonhar e imaginar um mundo melhor e criar um novo futuro.
Um dos livros, o primeiro na página 38 e 39 diz qualquer coisa assim: É hora de fazer um balanço do tipo de mundo que criámos e o que significa ser humano nele... continua: O mundo humano é moldado pelas ideias, crenças, e valores da imaginação e cultura humanas. É o resultado tanto das nossas mentes como do ambiente natural. Já no segundo diz-nos a autora (p.131): “Para mim uma pessoa culta não é alguém com um conhecimento profundo sobre várias matérias (…) uma pessoa culta é alguém que (…) tenta colocar o seu conhecimento e experiências em prática para ajudar a reconstruir um mundo melhor”.
Para este recomeço e Natal que aí vem, para além de sonhos e concretizações, desejo a todos um renovado ímpeto de ser culto e de mutuamente o cuidarmos e sonharmos em conjunto.
Boas festas!
Referências bibliográficas: Imagine como seria, criar um novo futuro, Ken e Kate Robinson, Contraponto; O que temos a ver com isto?, Maria Vlachou, Buala