Opinião
Letras | Manuel Alegre, o poeta de Abril
Como diz Eduardo Lourenço, no prefácio de “30 Anos de Poesia”, Manuel Alegre revela “uma familiaridade naturalmente épica com um mundo sempre inundado de sol sob o lusitano fundo da tristeza”
Ao referirmos Manuel Alegre como o poeta de Abril, não pretendemos apontá-lo como o/um poeta que cantou a Revolução quando ela de facto e para nosso bem aconteceu. Na verdade, ele excede(u) largamente essa amplitude poética, ele criou e cantou o País de Abril, sinédoque de um Portugal carregado de História, de (a)venturas e desventuras, um Portugal de terra e de mar, de feitos e de sofrimento e de lutas e de exílios que vem na decorrência do Portugal lusíada.
É no seu primeiro livro Praça da Canção (1965) que, de forma impetuosa (e profética, estamos agora em condições de o afirmar) começa a evocar, a esboçar, a cantar esse País de Abril – que é o Portugal sofrido desse tempo de opressão e de tristeza: “minha pátria vestida de viúva”, “é triste a Primavera no País de Abril”, “Abril com máscaras de festa – a festa da tristeza é tudo o que lhe resta” (p. 59). E, de seguida, a pungente Explicação do País de Abril, poema-ode que define os contornos humanos, políticos, épicos do país-povo-poema: “País de Abril é o sítio do poema (…) País de Abril tem gente que não sabe ler / os avisos secretos do poema (…) País de Abril tem estranhas sentinelas (…) País de Abril tem ventos ilegais (…)” (p. 60).
Praça da Canção – como os seus livros a haver – não é um livro de poemas, é um todo poético que, entre o épico e o lírico, entre o trágico e o belo, regista (canta em tom de trova) a triste vivência de um povo nesta “praça” - o País de Abril, que é também o da guerra em África e o do exílio em França – naquele momento histórico.
Como diz Eduardo Lourenço, no prefácio de 30 Anos de Poesia, Manuel Alegre revela “uma familiaridade naturalmente épica com um mundo sempre inundado de sol sob o lusitano fundo da tristeza”.
Marcado pelas circunstâncias da vida (a sua e a coletiva) e conhecedor convicto da História e da poética deste povo, profundamente influenciado por Camões e Pessoa na dimensão épica e mítica de ambos, tocado pela musicalidade das canções dos trovadores, pelos arroubos dos românticos ou até pela força telúrica de Torga ou de Sophia, propôs-se, sob a égide das Rosas Vermelhas (p. 31), “dar(ei) ao povo o meu poema” (p.35) e promete “Cantar não é talvez suficiente (…) Eu venho incomodar. / Trago palavras como bofetadas / e é inútil mandarem-me calar”.
E assim continuou, poeta inconformista, insubmisso, o “português errante”, cantando os heróis de todos os dias, o Pedro-Soldado, o João-que-foi-à-Índia, o Manelinho de Évora, a Rapariga-do-País-de-Abril… em “O Canto e as Armas” (1967) este mais no lastro de Os Lusíadas: “Canto as armas e os homens (…) E o amor. (…) E também a tristeza / e a festa. O sangue e as lágrimas (…) e A Peregrinação e a Batalha de Alcácer Quibir, metáforas da guerra colonial, e Abaixo El-Rei Sebastião – sempre nesta Praça que é o País de Abril.