Opinião

Leva-me contigo a ver os aviões

20 jul 2024 16:32

A aviação continuará a tratar os clientes como o seu gado que voa, em nome da democratização das viagens

Não sou nenhum super-herói mas, como eles, tenho um ponto fraco. Se a Aquiles lhe acertaram no tendão com uma flecha; e ao Super-Homem o expuseram à kryptonita do seu planeta natal, a mim o que me mata é ter de viajar de avião para ir trabalhar.

O que é, sinceramente, muito chato, dado que 90% do meu trabalho consiste exactamente nisso: ir de avião do ponto A ao B, passando por todos os entrepostos que a aviação, a actividade comercial que é a mais cruel para com o seu cliente, me obriga como se eu fora um ratinho de laboratório, a andar em ziguezague, procurando a cura, mas, encontrando, ao invés disso, a doença.

É nos aeroportos que se encontra o cenário ideal para contemplar o resultado mais óbvio e notório do capitalismo selvagem que nos açambarcou a vida sem darmos por isso. Basta ver os corpos caídos de cansaço à espera da promessa da ligação ao destino final (que, muitas vezes, não vem), despojados no chão em frente à montra da loja da Hugo Boss.

Nos aeroportos tudo é desenhado para o desconforto, numa ergonomia sádica que coloca apoios metálicos para os braços no meio de um banco curvado, pensado para a torção do tronco, com requintes infernais de tortura.

Ademais este é um problema sem solução.

Não há nem capacidade, nem interesse em melhorar.

A aviação continuará a tratar os clientes como o seu gado que voa, em nome da democratização das viagens, sonho molhado do capitalismo, que nos vende o que não precisamos e que nos cobra pelo que sempre foi grátis.

O cliente ter sempre razão é língua morta, e os passageiros são tratados, paradoxalmente, como o pior inimigo da aviação.

Os aeroportos, esses, são o inferno na terra.

As companhias aéreas cortaram-nos a nossa cabeça de galinha e é nossa sina agora tontear mundo fora dentro de aviões onde nem água nos servem, e onde as nossas pernas não cabem no espaço que desaparece entre as cadeiras.