Opinião
Literatura | Já não me deito em pose de morrer (poemas escolhidos) Cláudia R.Sampaio
Todos os meses farei umas reflexões sobre livros que ando a ler ou que de alguma maneira me influenciaram, escolhendo o formato que mais me diz como ponto de partida, a poesia, para daí me lançar sobre a restante literatura que ocupa a minha estante mental
Fui estimulado pela minha mãe para esta forma de escrita e que encontra na autora, um humanismo no feminino, uma fatalidade do ser e a luz que se procura no escuro, familiaridades inauditas.
Ela exprime-se na escrita como se pintasse, e pinta como pensa e escreve. Há um certo absurdo que faz sentido e que nos toca, tal como por estes dias vamos experimentando a vida. Pandemias, política e um regresso turtuoso à intolerância, a um asco face às diferenças alheias… a um medo duma normalidade diferente. Estes poemas escolhidos debatem com vários recursos estilísticos as incapacidades duma vida normal, da mulher na sua pele com o desejo e em oposto com a falta dele. A luta entre a bipolaridade e afinal o que é normal(?).
A pessoa e a artista em assembleia secreta à vista de todos com Amadeo, Almada, Nietzsche, Basquiat, Álvaro, Camões no Olimpo com os heróis e Deus na forma de poesia (ou ela em forma de Deus). As artes plásticas e escritas, ou rabiscadas, ou todas juntas, vivem através de si e vêm contra nós sem pedirem licença, sem que estejamos preparados para tanta crueza em palavras; elas que parecem soltas e, na verdade, são como arame farpado junto à boca ou fogo que nos consome por sermos infinitamente nada iguais ao próximo.
Lá nessas contradições somos todos afinal, cinza.
“Uma vez quiseram-me louca, a arder e eu ardi com a discrição de um fogo posto porque a cura vai na mesma direcção que a nossa febre.
Ateei-me como um relâmpago inesperado à luz do dia
Eu parecia uma basílica em chamas de altar por estrear, a arder sozinha
Sempre me recusei a arder como os outros
Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita ,mais a vento do sul ou de norte, mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!
Porque pior que a desdita loucura é toda a gente andar em brasa mas ninguém chegar a incêndio
E no fim são todos cinza”
Por fim, iliba-nos da culpa com o testemunho da poesia, faz do homem a mulher que nele existe, seja pela maternidade ou pela sexualidade que em ambos reside.
Desconstrói ideias acerca do que deve ser a poesia e inicia um projecto de criatividade onde procuramos o tempo e a sua necessidade.
“Sou a mãe de tudo isto. Tu não sabes mas todos os poetas amamentam as coisas que ninguém quer, os meus seios vão secando entre cada golpeada entre cada chupar de invisibilidade e, este leite que lhes dou incessantemente, é para que as vejas também”.