Opinião
Literatura | Joaquim Paço d’Arcos, um autor completamente esquecido
Este movimento ignaro que tem grassado pelo mundo de derrubar, decapitar, vandalizar estátuas de figuras célebres da História por terem adotado e promovido determinadas atuações sociais bem aceites nas suas épocas, lembrou-me o que também se passa na Literatura.
Por muito que gostássemos, não se pode apagar a História com as suas agitações, as suas circunstâncias, os conhecimentos e menos ainda os valores que prevaleceram e que orientaram o Homem em cada uma das Idades do Mundo.
E porque todas as categorias do conhecimento – a Filosofia, a Arte, a Ciência – decorrem daquilo que ficou inscrito em cada período da História, também em Literatura – que é o pedaço do conhecimento que aqui nos traz – muitos movimentos, obras, artefactos literários tenderam a ser banidos do decurso dos tempos por corresponderem a políticas, condutas e valores menos bem aceites na atualidade.
No que toca à Literatura Portuguesa do último século, assistimos à anulação dos neorrealistas por força da Censura do Estado Novo – salvou-se Alves Redol e pouco mais – bem como dos surrealistas pela mesma conjuntura, mas por motivos diferentes: a moral e os bons costumes.
No sentido inverso, submergiram no lodo os escritores conotados com o regime do Estado Novo – a que quase nem Almada teria escapado não fosse o seu passado Modernista – como foi o caso do romancista Joaquim Paço d’Arcos (1908 – 1979), um dos autores portugueses do século XX mais traduzidos em várias línguas e mais lido nos anos 30-40.
A sua criação ficcionista obedece a dois ciclos temáticos: o da atmosfera oriental e oriental grafada na sua vivência de juventude quando acompanhou o seu pai, governador de Macau e de Moçambique; e o da «Crónica da Vida Lisboeta» que desenha ao longo de seis romances publicados entre 1938, com o romance “Ana Paula”, e 1956 com “A Corça Prisioneira”.
«Quando se quiser ver a nossa época [anos 40 – 60] num cosmorama literário, [diz Óscar Lopes] tal como hoje vemos a época da Regeneração através de Camilo, Júlio Dinis ou Eça de Queirós, será preciso recorrer a estes romances de Paço d’Arcos quanto a determinados sectores portugueses».
O romancista não pode ser catalogado num segundo plano, pois se hoje for relido, dá-nos pistas muito relevantes para a compreensão da sociedade portuguesa de meados do século XX. Jorge de Sena reiterou-o em 1957, afirmando ter o escritor plena consciência de uma “humanidade dolorosamente fruste”, que “está presa entre a frivolidade (…) e a superior seriedade moral e intelectual” de que as personagens, sobretudo as femininas, são excluídas. (Leia-se, por exemplo, “Ana Paula).
Sobre a sua obra, escreveu Eduardo Lourenço em 1978: «A sua perspetiva constitui pela continuidade da visão, o ângulo específico que lhe é próprio, um dos fios dessa trama global (o viver português dos últimos 40 anos) e acaso a imagem mais fiel – em certo sentido – da antiga (?) sociedade portuguesa, supostamente desaparecida em 74.»
Do autor, ler “Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo”, em 3 volumes. Sobre o autor, “Joaquim Paço d’Arcos, Correspondência e Textos dispersos, 1942-1979”, editado pela D. Quixote, em 2008, pelo centenário do seu nascimento.
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990