Opinião
Mudaria o Natal ou mudei eu?
Para mim esta época de celebração deveria, numa reflexão partilhada em família, centrar-se nos únicos e reais valores da existência humana.
Que bom, este ano o meu Menino Jesus chegou mais cedo e já me trouxe uma prenda muito linda!
Sempre vivi em cidades e por isso nunca tinha saboreado aquela, quase mágica, sensação de me virar para os habitantes do meu nicho rural e de lhes perguntar: vou à cidade, de lá, o que precisam?
De milho, cacarejam-me as galinhas, de uma boa tesoura de poda, acenam-me os galhos de algumas árvores de fruto, de nada, dizem-me em coro todos os outros bichinhos e plantas que lá vivem e, serenamente, constroem a Natureza.
Chegada à cidade, procuro uma esplanada e ponho-me a olhar para as pessoas que passam carregadas de sacos com um ar muito atarefado e percebo, através desta janela de observação, que chegou às suas vidas o caótico frenesim consumista imposto pelo estrangeiro Pai Natal.
Antes, eu podia ser uma dessas pessoas, mas agora não!
Muito por causa do que me estão a ensinar os construtores da Natureza, meus vizinhos atuais, sinto-me a trabalhar num Natal diferente. Por um lado mais pagão, como se fosse um druida, a comemorar o solstício de inverno.
Nas luzes com que enfeitei o pinheiro e nos azevinhos que trouxe para dentro de casa, sinto-me a dar uma forma diferente ao meu desejo de afastar maus espíritos e de ansiar pelo reconfortante regresso do Sol.
Porém, por outro lado, sinto que também há muito mais de cristão no Natal que agora ando a construir.
Para mim esta época de celebração deveria, numa reflexão partilhada em família, centrar-se nos únicos e reais valores da existência humana e que alguém disse (e eu concordo) serem aqueles que podemos levar connosco até à morte: o quanto nos transformámos para melhor; o bem que fizemos; o quanto, também para melhor, conseguimos transformar o mundo, mas não!
Em vez disso, transformou-se numa época materialista em que o dar prendas surge como o mais importante e quase o único modo de demonstrar afeto.
E assim, como pode uma prenda levada, no Natal, ao lar onde depositamos os velhos da família ou da comunidade, substituir o atendimento amoroso que lhes ficamos a dever em todos os dias da nossa existência?
E assim, onde fica o transformar o mundo para melhor se às nossas crianças, os adultos de amanhã, nesta época, com prendas e abundância de coisas, lhes mostramos em casa e na publicidade que lhe permitimos ver, o consumismo sempre associado às caras sorridentes de famílias unidas e felizes?
E assim, nesta época, com tanto e tão leviano consumo gerador de enormes quantidades de resíduos deitados no lixo, de desperdício de tanta comida, de tanto endividamento das famílias onde fica a nossa vontade de nos transformarmos em melhores pessoas, em pessoas melhores para a nossa casa comum, para a Terra?
Sinceramente, não sei como responder à questão que Machado de Assis me deixa no verso final do seu Soneto de Natal "Mudaria o Natal ou mudei eu?".
Só sei que, pela minha parte aqui em casa, prendas, cada um só recebe e dá uma e que eu vou querer discursar!
Vou recordar a todos os valores do Natal: o trabalharmos todos os dias para sermos melhores pessoas, para fazermos os outros mais felizes, para tornarmos o Mundo melhor e a Humanidade possível!
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990