Opinião

Música | Auto-Suficiência

26 abr 2019 00:00

Crítica | "A liberdade depende exclusivamente de sermos capazes de subsistir em espaços confinados, sem depender de terceiros e daquilo que sobre nós pensam"

No contexto cultural dos últimos anos, em que os meios digitais possibilitam e facilitam a disseminação das obras e das reacções a estas, têm sido mais frequentes os casos em que a euforia em torno de um trabalho se desfaz em pouco tempo. Embora a crítica musical destaque a evolução dos TOY, o reconhecimento da banda num certo círculo de consumidores de música desapareceu. O disco novo, Happy in the Hollow, confirma que o interesse tem decrescido à medida que os elogios à maturidade musical da banda aumentam. Não se trata da habitual discordância entre críticos e consumidores, um problema saliente em vários meios artísticos nos últimos anos; trata-se da diminuição efectiva da relevância dos TOY.

As condições particulares de produção do primeiro disco (TOY, 2012), quer no que diz respeito à constituição da banda (ainda com Alejandra Diez) quer ao tempo em que foi gravado (duas semanas), dificilmente poderiam ser reproduzidas, sem falar das condições externas de recepção, em grande medida tão incontroláveis quanto imprevisíveis.

É este elemento de sorte no alinhamento das circunstâncias que permitiram o sucesso do primeiro disco que ecoa em Last Warmth of the Day, provavelmente a melhor canção do disco novo, onde parece articular-se esta tensão entre as expectativas geradas e a evolução da banda.

No refrão, canta-se: “Pensei ter sentido algo divino hoje/Então porque pesa tanto na minha cabeça?/Como o último calor do dia, tudo se desvanece tão rapidamente”.

A ideia de algo divino como libertador é contrariada pelo peso que se sente posteriormente; mas o que é revelador é que, embora provoque um certo peso, o momento divino não deixe de ser equiparado ao último calor do dia, uma vez que a analogia não se pode cingir apenas ao facto de ambos se desvanecerem depressa, deve englobar também o sentido de conforto evocado pela imagem do último calor do dia.

Esta ideia de divino não deve andar muito longe do sentimento provocado pelo sucesso fugaz que a banda já conheceu, nomeadamente quando, quase no final, numa revisão do refrão, se ouve que tudo também se desvanece como o último calor do dia “para os filhos de uma certa época”.

O título do disco, que poderíamos traduzir por “Feliz no Buraco”, pode sugerir o ambiente soturno das canções, algo que a produção, a cargo da própria banda, enfatiza continuamente. Mas não se pode deixar de considerar esse mesmo título como uma declaração: ao assumir a produção, a banda alcança a sua auto-suficiência e, assim, pode existir independentemente das reacções externas.

O paradoxo de se ser livre (e feliz) no buraco é o mais interessante deste trabalho, pois renuncia à noção comum de que a liberdade depende de vistas largas e espaços amplos; por vezes, muito mais do que aquelas que imaginamos, a liberdade depende exclusivamente de sermos capazes de subsistir em espaços confinados, sem depender de terceiros e daquilo que sobre nós pensam.

*Director da revista Forma de Vida