Opinião
Música | A (r)evolução não será anotada
O grande paradoxo, tendo em conta os meios tecnológicos à disposição, é que vivemos os acontecimentos (e bem) mas não estamos a tomar notas. Um dia quando se contar a história da região faltará um pedaço fundamental: não se produziu memória e a que existir estará dispersa
O jornalista Fernando Alves, com muitos anos de TSF, fala com o coração na boca e consegue olhar e criticar a sua classe sem a melindrar. É por isso que quando veio a Leiria falou com mágoa como a cultura na televisão está remetida, desde há muito, para fechar noticiários.
80 anos depois do Dia D, o jornalista trabalhador – colaborador é outra coisa – trabalha e não lhe podem imputar o que não consegue cobrir. A classe já provou que, como nas artes, se lhes derem condições promovem regiões e desenvolvem comunidades. Conteúdos culturais entregues a sites amadores - e aqui até há boas ideias - são escolhas, mas também sinais do que se pode perder para redes de (des)informação.
Com a crónica falta de comparência dos jornais nacionais, certo é que o país tem descentralizado e nomes icónicos - fora dos grandes centros - visitam Leiria e a sua região recebendo nomes de culto underground e artistas cimeiros da pop.
E como é que se está a trabalhar a nossa memória histórica e cultural? De longe com mais meios, a RTP e os jornais Expresso e Público têm ouvido personalidades do tempo presente (em vários formatos servindo já de ferramenta legítima de estudo e fonoteca) e isso constitui um arquivo futuro que foge ao conceito clássico de papéis amarelados.
O passo seguinte deveria ser a nível regional. A música é para se ouvir, claro, mas por exemplo numa Cidade Criativa da Música da Unesco toca-se muito, conversa-se algumas vezes e regista-se pouco.
Saudando algumas rondas de conversas feitas por aí, o grande paradoxo, tendo em conta os meios tecnológicos à disposição, é que vivemos os acontecimentos (e bem) mas não estamos a tomar notas.
Se as “Grandes Questões” foram descontinuadas, também curtas são as páginas de jornais dedicadas à cultura, aumentando eventualmente quando a política vai a banhos.
Muitos jornais têm esse desiderato, e mesmo utopia (ver capa da edição 2083 do JL), mas o papel não estica e há poucos meios humanos para alimentar o seu online. É estrutural, portanto. Um dia quando se contar a história da região faltará um pedaço fundamental: não se produziu memória e a que existir estará dispersa. A transição tecnológica regional bem que podia vir num PRR.
Uma parte do acervo regional de bandas e eventos dos anos 90 está no arquivo do Jornal de Leiria, justamente porque na altura havia a preocupação de contar o que estava a acontecer.
As notícias do fim da História foram manifestamente exageradas. A identidade é a soma e arquivo destas partes. Olhar para a cultura como enfeite vai sendo a norma. Perante resultados políticos recentes, multiculturalismo precisa-se. O cerco aperta-se e a cultura está como na tv: com pouco espaço, quase a fechar a edição.