Opinião
Música | Cozinhando sensações
Tom Ashbrook é a minha mais recente descoberta musical
Nascido na cidade de Yorkshire (Inglaterra), reside e trabalha nos dias de hoje a partir de Liverpool, sendo um pianista e produtor bem experiente e, ao que parece, uma voz já bastante escutada - percorrendo longas tournées ao longo dos últimos 20 anos e havendo partilhado grandes palcos com nomes como Mick Hucknell (dos Simply Red) ou Jools Holland, colaborando ainda com artistas como Paul McCartney, Sting e James Morrison.
Ashbrook não é apenas um músico de mão cheia (formação clássica ao piano desde os 5 anos de idade) mas também um experiente chef de cozinha, revelando que não poucas foram as vezes em que trabalhou e orientou equipas numa cozinha de um restaurante para depois de terminar o seu turno se sentar ao piano, para gáudio dos presentes.
Vou escutando Sensibus, enquanto escrevo estas linhas - álbum seu editado o ano passado, 2020 -, deliciado pelo evidente resultado do seu claro fascínio pela música electrónica e música house dos anos 90.
No arranque, um tema belíssimo, Klass: por entre sintetizadores pulsantes, com uma ligeira desafinação propositada, deliciamo-nos com a pouco previsível progressão de acordes que, no entanto, desde logo nos soa a algo familiar e é de facílima absorção auditiva... uma fascinante porta de entrada para o que depois se segue; surge Tactus, tema que acontece apenas ao piano, um fascinante e lento deambular por entre acordes maiores e menores, numa ambiguidade emocional que se desvendará como sendo um dos pontos fortes deste Sensibus.
A proximidade com a estética de Justin Vernon (Bon Iver) sente-se um pouco por todo o trabalho, temas afundados numa nostalgia profunda e contagiante, apelando a momentos de intensa introspecção.
Avançando no álbum, um outro tema que nos surpreende, e que rompe com o até então universo exclusivamente instrumental, é Souvenir, uma estrondosa colaboração com a cantora Julia Church... julgo até que, ironicamente, não seria à primeira vista uma voz evidente para se cruzar com este mundo de Ashbrook, no entanto o resultado é, claramente, fabuloso e como que vem abrandar a espiral emotiva algo descendente que até então se desenrolava, incutindo alguma leveza, ou até transcendência, ao álbum.
Sensibus navega num mar de delicadas sensações, numa frágil dualidade entre o taciturno e o regozijo efémero, de tão intenso quase dançante.
Quem gostar de Ólafur Arnalds, nomeadamente do seu não muito distante álbum re:member, irá certamente adorar este disco, é uma companhia a ter por perto para várias ocasiões.