Opinião
Música | Cultura a carvão ou a cultura do carvão?
É com curiosidade que hoje assisto às cinzas da candidatura do concelho a capital da cultura. Que interesse continuarão a ter os municípios num setor que sim, é sedutor, mas só enquanto dá jeito?
Ali pelo ano 2000, a indústria discográfica tinha capital para mandar nisto tudo. Vinda do fulgor dos anos 90, mas com a ameaça da pirataria, que mais tarde progrediu para o que hoje conhecemos como streaming, a lei acabou a perseguir miúdos de 14 anos, arrombando-lhes a porta de casa dos pais.
Estava em causa o investimento dos acionistas que conspiravam para insultar toda uma geração chamando-os de ladrões e criminosos. Cometeram-se excessos de parte a parte, mas também ninguém nega o inestimável contributo das rádios-piratas dos anos 80 na divulgação musical e que muito jeito deu à indústria. São processos.
Do ponto de vista da sociologia do mal-estar, foi interessante verificar que um setor, supostamente com uma mente aberta, em vez de tentar seduzir e reconquistar públicos, comportou-se como cães de guarda dos donos – arrogantes - onde vigiar e punir era o seu business plan.
As dores de crescimento causaram baixas, obviamente. Havia um modelo de negócio que sofreu uma mutação súbita. Hoje, muitos desses acionistas mudaram de ramo: tanto lhes dá estar no negócio da música como no do carvão.
Quando vemos as subidas dos preços dos combustíveis lembro-me sempre de uma tentativa por parte do governo espanhol de Zapatero do PSOE (vou arriscar 2005, ano do aparecimento do YouTube, não é curioso?). Baixou-se o imposto do CD que passou a ser taxado como bem cultural. Num mundo ideal iria ficar mais barato, mas imediatamente as grandes editoras aumentaram as margens e o preço ficou na mesma.
Se entendermos o conceito marxista de “superestrutura” como uma estratégia dos grupos dominantes para a preservação e eternização de seu império, Jaques Attali, já em 1977, na sua obra, Noise: Political Economy of Music, localizou a possibilidade de haver uma superestrutura “para antecipar desenvolvimentos históricos, para prenunciar novas formações sociais”, como veio a acontecer. Foi uma mudança com enormes resistências, mas que eram expectáveis.
O artista Prince, já cansado das editoras, (chegou a pintar na cara a palavra slave em aparições públicas), editou o seu último disco da altura Planet Earth– em formato CD – a 15 de julho de 2007 através do jornal britânico The Mail on Sunday, tendo feito um corte com o mercado de então.
Atualmente o streaming faz parte do quotidiano e as bandas dependem mais dos concertos ao vivo do que da venda de discos e das editoras.
Assim, é com curiosidade que hoje assisto às cinzas da candidatura do concelho a capital da cultura. Que interesse continuarão a ter os municípios num setor que sim, é sedutor, mas só enquanto dá jeito? Estará na altura de um novo tempo, com um outro modelo de parcerias, entre associações culturais e municípios?