Opinião

Música | Em avançado estado de composição

25 mai 2023 21:01

A esmagadora maioria dos espetáculos no mundo não são estes megaeventos onde o ato de substituir uma corda de guitarra nem faz parte do menu

Na versão em papel deste jornal, a economia e política estão nas páginas mais centrais, também há a sociedade, desporto e por fim, esta malta da cultura. São hierarquias e estão acompanhados de artigos de opinião pelas secções.

Também na televisão, a cultura geralmente encerra o noticiário, por vezes de forma paternalista. Está convencionado que se tem de fechar de modo ligeiro e as artes são pau para toda a obra.

Também não é novidade que um apoio daqueles PRR ou 2020 para uma fábrica de plásticos tem melhor impressão pública do que ser atribuído a uma empresa ligada às artes, como se esta última também não produzisse riqueza, postos de trabalho e, vejam bem, trabalho digno.

Com todos os constrangimentos e receitas que os Coldplay geraram em Coimbra queria falar de outra coisa: o avançado estado de composição dos megaeventos ao serviço da música. Quem viu o espetáculo saiu de barriga cheia. É um hino ao entretenimento, requer um planeamento monstruoso, as soluções técnicas são de antologia e o espetáculo só pode ser entregue assim graças a diversas mentes brilhantes.

Tal como noutras áreas, a mão humana a rodar o botão ao vivo e a cores está mais ausente e cada vez mais pré-programada. A adrenalina dos técnicos de som e luz a operar as máquinas, e assim, também à sua maneira estarem ali a contribuir para o espetáculo como um todo e em equipa, está a ser substituída pelo trabalho de laboratório.

Até houve improvisos, do rapaz do público a ir tocar um tema ao piano ou os 5ª Punkada, mas naquela Meca da tecnologia, o jogo de luzes parou. Foi opção ou não deu? Neste ponto só pretendo chamar a atenção para o facto de quem fica demasiado refém da tecnologia, perante algo inesperado, pode ter de lidar com o vazio pois simplesmente a programação não é à prova de espontaneidade.

Isto significa que se desistiu, nos concertos ao vivo, da criatividade do trabalho de equipa e a seguir (como noutras áreas) vão-se desistir das próprias pessoas substituindo-as por máquinas? Terá agora o pessoal técnico de se formar em engenharia de computação ou perdem o emprego?

Claro que não porque a esmagadora maioria dos espetáculos no mundo não são estes megaeventos onde o ato de substituir uma corda de guitarra nem faz parte do menu, mas ao mesmo tempo são verdadeiras obras de arte da tecnologia. Convenientemente ofusca o facto do último disco nem ser nada de especial, mas haja uma carreira consolidada e um punhado de greatest hits, sejam os Coldplay, U2 ou os Rolling Stones, que tudo fascina.

Sendo os técnicos a parte invisível, o público apenas sabe que sai do espetáculo saciado o que, convenhamos, é o objetivo. Proporcionar a melhor noite na vida de alguém tem as suas particularidades.