Opinião
Música | Em jeito de despedida
Refuge é a metáfora perfeita para o ato de o ouvinte vir a encontrar, provavelmente, um merecido e aconchegante refúgio
Escrevo este texto hoje, tendo já decidido que será a minha última contribuição para esta belíssima rubrica do JORNAL DE LEIRIA.
Foram mais de cinco dezenas de autores e seus projetos musicais, que convosco partilhei ao longo destes últimos quatro anos e meio, esperando que tenha aludido a mundos vários, num claro fascínio pela dita música neoclássica e clássico-contemporânea, com evidente apreço pela música tendencialmente instrumental.
Muito me honrou esta colaboração e o convite que partiu deste Jornal, no entanto, sinto hoje que vos trouxe já um número suficientemente vasto e eclético de compositores a navegar esta sonoridade, estando certo de que agora os leitores terão curiosidade em ler e descobrir outras e entusiasmantes partilhas.
Assim, partindo da pequena curiosidade deste autor que ora vos trago, ter encontrado inspiração para o seu nome artístico no universo da literatura, mais concretamente, na poesia, deixo-vos então esta última sugestão: Sylvain Texier é hoje Ô Lake, ou assim o é desde o ano de 2017, ano em que surge formalmente este projeto de música neoclássica que compreende hoje uma discografia que foi já escutada 5 milhões de vezes nas plataformas de streaming.
Ô Lake é a expressão que abre o primeiro verso da segunda estrofe do famoso poema francês “O lago”, de Alphonse de Lamartine, uma premissa profundamente bela, romântica e também melancólica, ou não fosse o poema versar sobre algo como: o poeta e sua musa deveriam reencontrar-se no Lac du Bourget, local de muitos encontros anteriores; fatidicamente, ela adoece com tuberculose, falece pouco depois; não há reencontro, e o poeta volta, assim, sozinho ao lago para revisitar os lugares que haviam juntos percorrido. Poderia antever-se uma tristeza profunda, antes, há uma tentativa de encontrar consolo na memória do que os uniu.
Ô Lake, pianista e compositor francês, lança Refuge em 2019, no que aparenta ser um esforço colaborativo de edição entre as editoras Patchrock & Night Night Records (ambas francesas). Um disco de estreia que em nada o parece, muito maduro e extremamente bem produzido. O nome deste longa-duração, Refuge, é daqueles títulos que nada escondem, tornando-se a metáfora perfeita para o ato de o ouvinte vir a encontrar, provavelmente, um merecido e aconchegante refúgio nesta que é a música e a mensagem subliminar de Ô Lake; um título premonitório, espero.
Músico jovem mas já experiente em palco, tocou em alguns dos maiores festivais franceses (como Les Trans Musicales ou Les Vieilles Charrues) acompanhado pela sua banda Fragments (electrónica/post-rock), compõe ainda para filmes com alguma regularidade. A mistura do resultado deste trio de cordas, piano, alguma percussão e sintetizadores escutados em Refuge ficou a cargo de Sébastien Guérive e a masterização é de Zino Mikorey, já a sugestiva fotografia de capa é da autoria do próprio compositor, Sylvain Texier.
Sintam-se, pois, inspirados por mais um disco com espaço e belas melodias, e até um destes dias!