Opinião
Música | Era uma vez uma coleção de discos
Agora é que a minha vida musical estás prestes a digitalizar-se por completo: avariou-se-me o leitor de CD e só uma das colunas ligadas ao gira-discos funciona
Há meia dúzia de anos paguei uns bons euros para consertar aquilo tudo, que já leva mais de 30 anos de vida - sim, é verdade, com o mesmo dinheiro podia ter comprado uma bela aparelhagem novinha em folha nessas “Wortens” da vida.
Para ajudar à festa, todos os meus discos de vinil desapareceram de casa dos meus pais, onde estavam bem guardados, julgava eu. Não sei bem quantos discos seriam, mas estava ali uma história com algum jeito.
Havia por lá singles com os hits dos anos 80 e os clássicos que toda a gente tinha no móvel da sala, comprados na Terceto ou na Electrolis, como o Live in Paris dos Supertramp ou The Concert in Central Park de Simon & Garfunkel.
Depois os discos dos Cure, Nick Cave, Pixies, Nirvana, Jesus & Mary Chain, The Velvet Underground, Sonic Youth e essa gente toda, que tanta derrapagem proporcionou no pico da adolescência.
E os discos da Música Popular Brasileira com o Chico Buarque, João Gilberto e todos os outros tropicalistas – os discos da Simone, autografados pela própria, também foram à vida.
Raridades tinha poucas, talvez um ou outro disco dos Liars ou das Chicks on Speed.
Nunca fui um grande colecionador, até porque ando muito tempo a ouvir o mesmo disco, não tenho aquela ânsia de querer conhecer tudo e ouvir tudo de rajada. Oiço discos, calmamente.
Vou a um, vou a outro e volto ao mesmo. Meses nisto. De preferência com as letras em punho, que gosto sempre de saber o que estão a cantar, mesmo que não perceba nada.
A minha geração vive o dilema da transformação digital, eu resisti, posso dizer que resisti, mas agora rendo-me: não volto a gastar mais dinheiro ali com o Sr. Duarte da Tecnisom, que arranja os aparelhos de alta fidelidade do século XX como ninguém, e que por isso tem de ser bem pago.
Lamento, o meu romantismo nestas coisas colapsou. É uma questão de mind set, como dizem os especialistas em coaching. Agora oiço tudo no Spotify. Se quero a coisa mais solene, sento-me confortavelmente na sala de estar, escolho um álbum e ligo a coluna Marshall.
Se ando de um lado para outro, tenho sempre à mão uma coluna portátil da Bose, que comprei há uns anos por tuta e meia vinda da China. Continuo a ouvir álbuns na integra e até desliguei o auto-play para saber que o álbum que estou a ouvir terminou e que sou eu quem vai escolher o próximo. Digital sim, manipulação não.
Nunca vasculhei caves e lojas em Lisboa, Nova Iorque, Londres ou Berlim à procura de rock psicadélico turco dos anos 70, mas agora é vê-lo a tocar nas minhas colunas Bluetooth. Isso e todos os discos que perdi e que em breve irei vender.
Da próxima vez que encontrar a Simone, peço-lhe para autografar a sua discografia no Spotify!
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990