Opinião

Música | Escrítica Pop

1 set 2022 13:04

MEC juntou o gosto pessoal à teoria, numa linguagem muito criativa e, principalmente, com muita graça

Agora que está nas bancas mais uma edição de Escrítica Pop, o famoso compêndio de críticas musicais, escritas por Miguel Esteves Cardoso (MEC) entre abril de 1980 e abril de 1982, lembrei-me do momento em que o João Nazário, enquanto diretor deste jornal, me telefonou a convidar para escrever uma coluna de “crítica”. Disse-lhe logo que não fazia crítica pura e dura, mas teria todo o gosto em escrever sobre música e tudo à volta. O João, defensor desta e de todas as liberdades, respondeu algo assim: “Crítica é só o nome da secção, escreves sobre o que tu quiseres”.

É que escrever sobre música é uma coisa, fazer uma recensão crítica, é outra – lembro-me bem das horas passadas na Biblioteca Nacional a comparar autores para a licenciatura de Ciência Política… E um bom crítico é isso que faz, e muito mais: comparar autores, apresentar falhas, lacunas e virtudes; inserir determinada obra num contexto histórico, tradição, escola, paradigma ou perspetiva, etc, etc, etc. Talvez por isso, os principais críticos estejam sempre no olho do furacão: a maioria das pessoas confunde crítica com gosto e não suporta ser contrariada com teoria. A maioria opta pelo simplismo do “olha-me aquele armado em intelectual” ou, no que toca a cinema, o clássico: “se fosse um filme iraniano era logo cinco estrelas”.

Voltando ao MEC, parece-me que ele lançou na altura uma outra escrita sobre estas coisas todas: juntou o gosto pessoal à teoria, numa linguagem muito criativa e, principalmente, com muita graça. Posso estar enganado, mas lendo muitos desses textos do MEC, fico com a ideia de que aquilo tudo podia fazer parte de uma boa conversa entre gente amiga num café de esquina.

Em relação ao gosto, recomendo a entrevista do MEC ao Ípsilon de 5 de agosto e desafio-vos a fazer um exercício com estas perguntas do jornalista José Marmeleira: “Ainda gosta de todas aquelas bandas e canções?” e “Que música durou, para si, até hoje?” Interessante, não é? Já pensaram nisso?

Eu cá dou por mim a gostar cada vez mais dos Talking Heads, tal como o MEC, mas a culpa foi da banda-sonora daquele delicioso filme 20th Century Women de Mike Mills. Também gosto cada vez mais dos The Velvet Underground e o Leonard Cohen é música de cabeceira para sempre. Da música dita alternativa da adolescência, ainda oiço bem os Pavement, The Smiths, Joy Division, The Fall e pouco mais. Não suporto agora Violent Femmes, Smashing Pumpkins ou os James e evito algumas canções dos Pixies e Cure. Passei a tolerar algumas coisas dos Queen e, pasme-se, passei a gostar de Red Hot Chilli Peppers. Continuo a não conseguir ouvir Led Zeppelin e outras guitarradas do género.

Isto só para dar alguns exemplos – o resto fica para a próxima reunião de amigos no tal café da esquina. A discussão, a exaltação e a risota estão garantidas: “o quê, tu já não gostas dos Pixies? Passou-se!”