Opinião
Música | Esta é a realidade (mas temos outras se der mais jeito)
E aqui o ponto também é de como três discos perderam a oportunidade de brilhar porque nos dias de hoje se a realidade não te agrada tens sempre uma paralela. Haja calma e tenham um resto de lindo agosto
Texto originalmente publicado na edição em papel de 15 de Agosto de 2024 do JORNAL DE LEIRIA
Kamala Harris, candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, foi um dos memes do momento (ou enquanto julho durou, vá). Ela deslocou-se a uma loja de discos e comprou três vinis de jazz. As repercussões que se seguiram a este gesto marcam a vertigem contemporânea marcada pelo excesso de espontaneidade. A viralidade dos memes onde ela aparece a segurar os discos na mão fez o seu percurso (já Bill Clinton também tinha sido alvo de montagens com discos bastante interessantes). Enquanto se observam estes fenómenos há que reconhecer que ficam de fora perguntas que nos podem acrescentar algo. Aqui a questão é que estamos a deixar de questionar, e sim a aceitar o que nos mostram. A conversa que se seguiria podia ser a curiosidade em saber que discos teria comprado a advogada e antiga senadora? Uma pesquisa rápida e até se fica a saber quais, mas ficou para segundo plano.
Já agora os discos comprados nessa ocasião são: Charles Mingus Let My Children Hear Music (1972), um dos seus músicos preferidos de sempre; Roy Ayers Everybody Loves the Sunshine (1976), “um clássico”, na opinião da atual vice-presidente e também comprou a colaboração entre Ella Fitzgerald e Louis Armstrong na obra Porgy and Bess (1958).
Um outro aspeto é que este ato do dia a dia para alguns, mas que causa reboliço por se tratar de alguém que ocupa a posição nº2 na hierarquia de um dos países mais poderosos do mundo, um outro aspeto, dizia eu, é que já foi em 2023, mas também aqui a atualidade nem sempre é o mais importante, mas sim, o momento em que é lançado. Entre a fotografia e os dias de hoje Harris tornou-se candidata à presidência norte- americana o que na altura ninguém o adivinhava e se calhar nem a própria.
Se formos a ver bem, quando um disco é lançado, nem sempre constitui novidade para os seus intérpretes. Muitas das vezes até já pode haver um certo cansaço pois foi escrito e gravado há muito tempo e entretanto o mundo continuou a girar. Mas sim, o momento é tudo e sai quando for mais apropriado. Quantos discos estarão agora em agosto ali na rampa de lançamento prontinhos para serem lançados na rentrée de setembro?
A loja escolhida por Kamala foi a pequena HR Records, num bairro de Washington, D.C. Um dia que o seu proprietário não esquecerá, quanto mais não seja pelo aparato que se impõe nestas ocasiões. Não é propriamente todos os dias que uma pacata loja de discos recebe a visita dos serviços secretos que “varrem o perímetro” numa loja do tamanho de uma mercearia.
E aqui o ponto também é de como três discos perderam a oportunidade de brilhar porque nos dias de hoje se a realidade não te agrada tens sempre uma paralela. Haja calma e tenham um resto de lindo agosto.