Opinião

Música | Na vastidão da incompletude

30 mar 2022 23:59

Ian Hawgood consegue nas suas criações evidenciar o poder da sustentação e consequente desprendimento que tanto nos seduz

Falo-vos hoje de um músico e compositor (e brilhante técnico de masterização) que navega a infinita e hipnótica lentidão da música ambiente, exaltando as virtudes imensas de timbres fascinantes do universo da electrónica e dos seus sintetizadores analógicos.

Com particular deleite na criação de uma dita paisagem sonora, Ian Hawgood consegue nas suas criações evidenciar o poder da sustentação e consequente desprendimento que tanto nos seduz neste género musical.

Nascido no Reino Unido, Hawgood já sonhou em diferentes latitudes, tendo residido – durante grande parte da sua vida adulta - em países e culturas tão diferentes como o Japão, Itália e Polónia. Ainda assim, parece ter escolhido um belo sítio para agora se fixar, a ele e ao seu estúdio, numa vila perto da turística cidade de Brighton (sul de Inglaterra), de seu nome Peacehaven - designação esta que tem a sua génese fortemente associada aos eventos da Primeira Guerra Mundial.

Uma curiosidade que me fascinou logo durante a pesquisa sobre o seu percurso, ainda que não sobre o seu trabalho mas sim da sua vida privada, é que durante um significativo período da sua infância sofreu de um problema auditivo que o impediu realmente de escutar, vivendo numa aparente surdez, embora não absoluta. Pelos seis anos de idade, ele e os seus pais, e reconhecendo já as consequências daquela forte incapacidade, ainda assim procuraram preservar o gosto pela música e incentivaram Hawgood a ter aulas de piano, não obstante as dificuldades inerentes à aprendizagem. Imagino que esta particular condição auditiva possa ter influenciado a percepção e estética musicais deste autor, que hoje parece entender a música num sentido verdadeiramente lato e que o leva a explorar também as gravações de campo (captações de áudio que é produzido fora do contexto de um estúdio de gravação, com recurso ao seu fiel equipamento portátil de gravação da Nagra) e a incluí-las frequentemente na produção imensa que tem vindo a editar.

Echoes from the Edges of Time é um álbum de longa-duração que Hawgood editou em Outubro de 2020, e é um belíssimo passeio que ora vos recomendo, pela vastidão da imprevisível previsibilidade do carácter minimalista da música ambiente. Deliciem-se e deixem-se levar pela riqueza tímbrica do analógico, pelas suaves transições harmónicas que nos embalam num movimento pendular. Há uma agradável subtileza no uso de pequenos detalhes sonoros.

Hawgood relata, nas suas entrevistas, que ao longo do tempo foi recuperando paulatinamente o usufruto deste seu sentido tão estimado, e que foi com surpresa que denota uma certa frescura, um alento que o motivou a continuar esta viagem de sensações; talvez aqui se tenha consciencializado de que o seu entendimento da música algo diferente do usual, pudesse ser posto ao serviço de outros criadores, nomeadamente através da arte da masterização.

Ian Hawgood colaborou já com uma imensidão de editoras, tem um vastíssimo portefólio e o seu trabalho (de forma algo condensada) pode ser visitado na página da internet Folk Reels. Vale a pena!