Opinião

Música | Ninguém vai a lado nenhum tão cedo

10 abr 2020 20:00

Ben Gibbard, vocalista dos Death Cab For Cutie e dos Postal Service lançou na passada semana o tema Life In Quarantine, onde a certo momento canta “the airports and train stations are full of desperate people, trying to convince the gate agents that not all emergencies are equal” para rematar, logo a seguir, com um certeiro “no one is going anywhere soon”

Se esta letra fosse, algum dia, alvo de um daqueles livrinhos amarelos resumidos e explicativos, talvez num dos pontos uma linha de raciocínio, preferisse a dimensão humana e literal dos versos e outra já advogasse que o autor, quando falava em estações e aeroportos, usava uma figura de estilo e, quando falava em pessoas que reclamam emergências prioritárias, podia referir-se à escolha de apoios a pessoas e sectores que têm de ser imediatamente prestados.

Mas, ambas estariam de acordo que o “ninguém vai a lado nenhum tão cedo” é tão polissémico como lato e duramente real.

São vários (e chegam de todos os quadrantes e latitudes) os contributos e participações virtuais da comunidade artística neste processo de confinamento, para acompanhar e ajudar quem está em casa e lhes proporcionar momentos culturais, janelas para o mundo, o que não deixa de ser tão tocante, quanto irónico quando a própria classe artística foi a primeira a ver o seu sustento e rendimento desaparecer e será uma das últimas a poder retomar a vida nos palcos.

Mas é normal, nato e compreensível.

Em qualquer gala ou evento ou campanha de solidariedade sempre foi usual convidar-se aquele ou outro artista para se solidarizar com a causa e proporcionar, sem qualquer retribuição, um momento cultural.

Na sua esmagadora maioria, não há remuneração, retribuição ou sensibilização para tal. Nada contra, mas uma coisa é testar modelos ou associar a causas, outra é massificar e regular o mercado com a oferta da única coisa que se poderá vender daqui a uns tempos e, assim sendo, espero enganar-me, mas talvez ninguém vá a lado nenhum tão cedo.

Hugo Ferreira

Sempre aconteceu e os artistas sempre aceitaram e quiseram contribuir e, agora, a relação entre haver pessoas em casa a passar por um momento difícil e não haver palcos disponíveis é, por si só, uma ignição.

Não deixa de ser interessante e revelador que os artistas e agentes culturais tudo façam para apoiar quem está em casa, resta saber se, tanto agora, como depois, quem está em casa tem, podendo, vontade ou sensibilidade para retribuir.

Ao tentar manter o presente e imaginar o futuro num exercício constante de tentativa/erro há que estruturar iniciativas que possam retribuir (mesmo que de forma simbólica), os artistas e agentes envolvidos.

No nosso modesto contributo temos estado envolvidos nas equipas do Cultura com C de Casa, que remunera com o apoio do Município e no playitsafe.pt que sensibiliza os ouvintes para a contribuição e donativo.

Ao contrário de muitos outros sectores que foram obrigados a parar e que estão em confinamento em casa, a comunidade artística vai-se desdobrando em manifestações virtuais e eventos mais ou menos episódicos que se vão erguendo nas redes e plataformas.

Na sua esmagadora maioria, não há remuneração, retribuição ou sensibilização para tal.

Nada contra, mas uma coisa é testar modelos ou associar a causas, outra é massificar e regular o mercado com a oferta da única coisa que se poderá vender daqui a uns tempos e, assim sendo, espero enganar-me, mas talvez ninguém vá a lado nenhum tão cedo.