Opinião
Música | O desassombro em apelar às emoções
Bylur tem no piano o seu guia, num compêndio de composições que denotam uma romântica feminilidade
Acredito que quem acompanha estes meus textos já não fique minimamente surpreendido quando trago nomes de autores nórdicos, em especial da Islândia. Eydís Evensen nasceu em Blönduós, uma pequena vila no norte daquele país, algo inóspita no Inverno – mas, claramente, não para aquele povo habituado a extremos climáticos –, com uma população abaixo de um milhar de habitantes. Em sua casa, a paixão pela música sempre fora notória, e primava pelo ecletismo, sendo frequente escutar-se de Led Zeppelin a Tchaikovsky (como nos revela, seguramente de forma orgulhosa, na biografia que ostenta na sua página pessoal).
Um bom ponto de ancoragem para nos situarmos, na viagem do entendimento sobre a poesia por detrás das criações desta jovem compositora, poderá ser a curiosa e inocente lembrança de infância que a própria, a certa altura, recorda: enquanto criança, Eydís olhava para as montanhas distantes enquanto o vento uivava em seu redor, fingindo conduzir, ela própria, as nuvens. Apresentava-se, pois, como que uma maestrina meteorológica: controlava as frentes das tempestades à distância, fintando o clima e o mundo à sua vontade, como se estivesse na frente de uma orquestra. Diz: “O clima era agreste onde cresci, mas tão inspirador. Os invernos eram tão rigorosos, mas, ao mesmo tempo, de tanta beleza. Eu ficava horas, sentada, apenas a observar”.
A sua primeira peça para piano solo – instrumento que abraça desde os seis anos de idade – lembra, com ternura, ter acontecido logo no primeiro ano de ensino, tendo sido inspirada, precisamente, por uma tempestade que presenciara da segurança de sua casa.
Bylur (2021), álbum de estreia e editado pela recentemente fundada nova label da Sony Music, de nome XXIM Records (focada sobretudo na música instrumental progressiva, neoclássica, electrónica/música ambiente), teve como produtor musical e também engenheiro de som, Valgeir Sigurðsson (que bem se lembrarão de textos passados; um autêntico génio nestas lides, quer como produtor quer como compositor).
Os Greenhouse Studios em Reykjavík, também frequentemente por mim trazidos a este jornal a propósito de outros álbuns, receberam, para além do piano e voz de Eydís, um vasto e experiente naipe de instrumentos de cordas (que vão dos violinos ao contrabaixo), e ainda dois instrumentos de sopro, trompete e trombone.
Bylur tem no piano o seu guia, num compêndio de composições que denotam uma romântica feminilidade, num desassombro em apelar às emoções cruas e de sobremaneira tangíveis.
À semelhança da forte relação que a pianista tem com o meio ambiente em que cresceu e suas impetuosas mutações, o trabalho de Eydís desenrola-se perante os nossos ouvidos como um rio que corre porque tem a ousadia de se soltar da nascente.
Um álbum hipnotizante que recomendo para estes dias.