Opinião

Música | O som ao serviço do silêncio

20 set 2022 11:25

Nesta prática discursiva, os silêncios (enquanto se ouve o outro) são fundamentais

A agenda destes dias quase fez esquecer o 11 de setembro norte americano, por imposição à morte, cerimonial e sucessão (sem ir a votos) na monarquia inglesa.

Em ambos os momentos assistimos ao uso de silêncios pontuados, aqui e ali, por salvas de canhões, sinos a rebate, que evidenciam ainda mais o silêncio respeitoso que impera na circunstância.

Fazer um minuto de silêncio é um protocolo que acontece quando se dá a morte de alguém conhecido ou por causa de um evento traumático. Numa efeméride recente, em Portugal, a 8 de setembro de 1999, fez-se três minutos de silêncio por Timor. O País parou e, a acompanhar, as sirenes dos bombeiros ecoaram um pouco por todo o lado. Mais uma vez, ao serviço do silêncio, evidenciou-se um sinal sonoro que teve muito mais impacto isoladamente e sem a habitual cacofonia das cidades e outros lugares.

Numa memória muito recente, a pandemia também trouxe esse silêncio, estranho para alguns, mas que aconteceu e trouxe para outros territórios alguns animais atraídos pela quietude anómala do ecossistema.

Carlos Alberto Augusto, no livro Sons e Silêncios da Paisagem Sonora Portuguesa, evidencia algumas particularidades como a era em que vivemos ser muito mais visual do que sonora. Olha-se mais do que se escuta, refere o autor. É nas contradições que se encontram respostas: “Em Portugal, as vozes soam sempre demasiadamente alto e de forma confusa, lançam-se muitos foguetes, bate-se com muita violência nos bombos, ovaciona-se freneticamente, de forma muitas vezes despropositada, mas a estes actos não corresponde, o mais das vezes, uma escuta cuidada e atenta”, escreve o especialista em comunicação acústica.

Indissociável destes exemplos está o debate político e desportivo que acaba por usar as mesmas táticas: falar alto e por cima dos outros, interromper e não deixar ser interrompido, rir muito para demonstrar uma suposta tranquilidade (que na maior das vezes não é verdadeira), enfim, uma série de manhas. A sugestão que faz Augusto é que “ao ouvir bem soaremos melhor”. Aqui invertem-se os papéis, o som está claramente a mais, e nesta prática discursiva, os silêncios (enquanto se ouve o outro) são fundamentais.

A 8 de outubro de 2005 ruiu um prédio numa artéria que liga a Rua ‘Direita’ à Praça Rodrigues Lobo, em Leiria, mesmo em frente ao então bar Cinema Paraíso. Ora aí está um som que, pessoalmente, nunca irei esquecer: o som da pedra a cair, os gritos de pânico de quem lá estava. No entanto, o que me marcou ainda mais foi a cobardia de, nos dias seguintes, quererem implicar o volume sonoro emitido pelo bar, ao desabamento do imóvel. Vi isso escrito num jornal e aqui sim, de facto, vivemos mais num mundo visual do que sonoro.