Opinião

Música | Raymond Scott

9 mai 2024 19:24

O seu projecto mais ambicioso e complexo foi o Electronium, um sequenciador que pretendia ser uma colaboração artística entre homem e máquina

Harry Warnow nasceu em 1908 em Brooklyn e, por influência do seu irmão mais velho, que era músico, maestro e radialista, cedo tomou o gosto da música e o juntou à sua veia de inventor. Aos treze anos de idade já tinha criado um pequeno laboratório musical em casa e aos 16 conseguiu vender a sua primeira composição. Dez anos mais tarde já estava na orquestra da CBS, adopta o nome Raymond Scott e cria o seu estúdio e a sua própria empresa de publishing musical.

Desmultiplicou-se em projectos ligados ao universo da sonoplastia e do jazz, desde a composição a digressões com orquestras para conseguir financiar a sua paixão avassaladora de invenção e construção de maquinaria para explorar as potencialidades electrónicas na manipulação musical.

Raymond Scott nunca deixou de trabalhar na linha do desconhecido e da exploração e são vários os exemplos de momentos tão invulgares quanto reveladores da sua personalidade.

Em 1941 apresentou em palco uma orquestra de 13 músicos onde, apesar de todos os instrumentos, gestos e partituras, não se ouvia na actuação nenhuma música. Uma belíssima escandaleira e criava-se o conceito de silent music que depois foi explorado por vários nomes, ficando sobretudo celebrizado por John Cage.

Em 1944 ficou responsável pelo primeiro programa musical diário a ser transmitido via software para todo o mundo, destinado especialmente para as tropas norte-americanas que estavam fora do país. Quando foi requisitado para maestro de uma orquestra televisiva de um programa diário de grande audiência, impôs como condição todos os dias poder compor, transcrever para orquestra e interpretar uma nova composição.

Paralelamente, o seu apartamento ficava cada vez mais cheio de maquinaria, era lá que criava novos aparelhos que transformariam o futuro da música, acompanhando outros jovens criadores como Robert Moog e era também lá que produzia compulsivamente para publicidade e compunha e gravava peças musicais que chegariam ao grande ecrã por nomes como Hitchcock como ao pequeno, acompanhando centenas de desenhos animados desde a Looney Tunes e Warner Bros até Ren & Stimpy.

A sua faceta de inventor e engenheiro ofereceu-nos muitos dos primeiros equipamentos do dia a dia na produção musical como gravadores multipistas, processadores de efeitos, sequenciadores, sintetizadores, moduladores de voz, de pitch ou sistemas de equalização, inaugurando um novo mundo de exploração e manipulação de som.

Apesar das inúmeras patentes registadas em seu nome, o seu projecto mais ambicioso e complexo foi o Electronium, um sequenciador que pretendia ser uma colaboração artística entre homem e máquina, capaz de gerar e gravar autonomamente uma composição musical a partir de um conjunto de instruções humanas, qual fusão de conceitos de AI e algoritmo, meio século antes de sabermos o que esses conceitos significam. Com uma fase de testes auspiciosa, o projecto caiu com a sua morte, ficou arrumado e esquecido e, depois de resgatado, já há mais de década e meia se tenta entender como é que Raymond Scott o conseguia estar a conceber e construir naquela altura.