Opinião
Natal´16
Coragem a merecer respeito por quem, num Natal que evoca a vida, sabe que a morte é condição indelével e se quer em paz consigo e com o seu Deus.
Gostaria de oferecer, hoje, um belo conto de Natal. Uma ficção bem urdida. Um daqueles textos que nos agradam ler porque nos fazem pensar, refletir, sentir que talvez consigamos ser melhores pessoas que aquelas que a fúria e a pressa dos dias nos impede de ser. Mas não consigo. Falta-me o talento de Torga, que nas suas montanhas conseguiu elevar cada humilde e despojado a personagens de um presépio real. Fico-me pelo olhar modesto do que consigo enxergar e transmitir. Pequenez de quem se sente diminuto face às contradições de um tempo que devia ser de reflexão e dádiva.
Assim, procuro, no andar dos dias, figuras para o meu presépio. Encontrei uma Maria, sendo que outro qualquer poderia ser o seu nome. Idosa. Naquele inverno da vida que o inverno torna ainda mais frio. Em tempos foi esplendorosa. A sépia dos retratos não deixa margem para dúvidas. Qualquer um a tomaria, em cada fotografia do seu álbum ou espalhadas pelos aparadores de sua casa, por uma estrela de cinema, daquelas que decoravam o átrio de qualquer sala de espetáculos e cuja beleza idolatrávamos. Pose orgulhosa, talvez altiva, mas que condizia tanto com a elegância e requinte do vestir quanto com as pérolas que lhe faziam sobressair o busto. Hoje é o resto desse tempo áureo.
Os sulcos no rosto denunciam a tristeza, as cãs a perda irremediável de um reino de poder e influência há muito perdido. Quiçá a vida se lhe prolongue por muitos anos ainda. Contudo, ontem, pediu um sacerdote para o derradeiro sacramento. Coragem a merecer respeito por quem, num Natal que evoca a vida, sabe que a morte é condição indelével e se quer em paz consigo e com o seu Deus.
*Psicólogo clínico
*Texto escrito de acordo com a nova ortografia
Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digital integral deste artigo.