Opinião
No escuro todos os cabelos são pretos…
A resistência antimicrobiana é uma enorme e crescente crise de saúde pública
Chegámos a novembro. O mês do antibiótico. E de tantas outras coisas, mas esta é uma das que merece mesmo grande destaque. De tão esquecida, ou escondida, que está. A resistência antimicrobiana é uma enorme e crescente crise de saúde pública. Mas para a qual pouco se faz, ainda que tanto se tente, em várias frentes. Porque falta o mais importante: investimento. Sério e concertado.
O problema é multifatorial e a abordagem deve ser multidisciplinar. E para a qual toda a sociedade deve ser chamada a intervir. A exigir solução e resolução. Se nada for feito para combater o problema da multirresistência antibiótica, em 2050 teremos 10 milhões de mortes por ano causadas por infeções intratáveis. Mas não é preciso esperar 28 anos para nos chocarmos.
Já hoje milhares de pessoas morrem por infeções intratáveis. Na verdade, quase 1 milhão… A iniciativa Stop Infeção Hospitalar chegou recentemente à sua versão 2.0, com a chegada de mais hospitais para perfazerem um total de 22 que se comprometem a reduzir para metade o número de infeções hospitalares, de cinco tipos, nos próximos 3 anos.
Esta ambição baseia-se num princípio central: prevenção e controlo de infeção. Por um lado, corrigir, e idealmente acabar, com todos os gestos indutores de transmissão de patogénicos entre doentes. Por outro, melhorar grandemente a prescrição antibiótica, de modo a torná-la mais eficiente. E é aqui que reside um desafio que ultrapassa a vontade, o empenho, a dedicação, o investimento de todos os que nestes 22 hospitais assumiram este importante compromisso. E não só nestes, claro.
É aqui que fica o escuro que torna os cabelos (ou as bactérias) todos pretos. Não só não há novas alternativas antibióticas, como as ferramentas que permitem detetar as multirresistências estão aquém da celeridade que se exige para combater este seríssimo problema. Para os gestos e procedimentos, podem-se dinamizar várias formações e aumentar a sua regularidade, criar prémios que reconheçam as melhores práticas, etc. E melhorias muito significativas se vão seguramente alcançar. Mas para a prescrição antibiótica, o número de opções continua a ficar cada vez mais reduzido. Porque a indústria farmacêutica não investe nesta área. Disse Yoshua Bengio, o terceiro cientista mais influente do mundo. Disse também que é preciso que sejam os governos a investir e a forçar esse investimento nesta área.
Não temos novos antibióticos a surgir nem se antecipa que surjam nos próximos anos. Nem métodos que permitam a deteção célere o suficiente destas superbactérias. Para permitir o uso eficiente das poucas armas ainda disponíveis para as combater. Vários esforços estão a ser feitos. Aqui em Leiria também. Mas é preciso investimento. “Forçar” esse investimento. Para bem da nossa saúde global. Agora e daqui a 28 anos.
O que cada um pode fazer? Prevenir! Todos os gestos que aprendemos para prevenir a Covid são igualmente eficazes para as demais infeções. Agora que se aproxima a passos largos o inverno, recordemo-nos disso.