Opinião

O mistério da (Cons)Ciência: a química, a física e o gatilho do amor

12 mai 2022 08:26

Não existe equação ou regra matemática que possam determinar o final do encontro de duas consciências

A minha infância foi pautada por uma contínua obsessão por ler tudo o que conseguia apanhar sobre o mundo das Ciências e da Natureza. Esta característica criava alguma distância entre mim e os meus colegas porque sentia que tinha interesses divergentes da maioria. Esta obsessão, de alguma forma, também foi importante no final da adolescência quando tomei a decisão de tirar um curso na área da Biologia. Nessa altura tinha uma certa vontade de aprender sobre tudo o que me rodeava e achava que a pintura, a literatura e afins seriam caminhos que conseguiria percorrer por mim. No entanto, apesar de manter sempre a minha paixão pela Biologia em particular e pela Ciência no geral, houve uma fase em que o cenário de haver uma explicação para tudo me começou a entediar, pois remete para um materialismo excessivo. No final temos uma sensação estranha de que tudo é resultado de uma reação física, química ou bioquímica qualquer. E não é nada sexy saber que o cabelo esvoaçante da mulher que eu amo é feito de queratina, sendo este o elemento que constitui os picos de um porco espinho ou as escamas de um réptil. Havia um certo desencanto ao sentir que tudo o que me rodeava era demasiado explicado, demasiado justificado, enfim, um mundo pouco romântico e pouco misterioso… E eu não queria que o meu Mundo fosse assim!

Com o passar do tempo, comecei a olhar para as coisas de modo diferente. Percebi que afinal a Ciência era um conhecimento em aberto, não dogmático, reconhecia os seus erros, assumindo as suas limitações e fragilidades, que são as limitações e fragilidades do próprio Homem, seu criador. E o interesse voltou. O Mundo afinal mantinha os seus mistérios: a relação entre a matéria e a energia negra ou fantasma, a mecânica quântica e o maior dos mistério: mas que raio é a Consciência? Não sabemos! Achamos que emerge de processos elétricos que ocorrem no cérebro... Mas o que é? Onde está? É física? É metafísica? Não fazemos a mais pálida ideia. É talvez o mistério dos mistérios e isso é tão bom! Não temos de saber tudo! No final, não passamos de macacos turbinados que fomos sendo escolhidos pela seleção natural para ir ficando. Se pensarmos na forma como o nosso cérebro se desenvolveu, num cenário de caça, pesca, fuga de predadores... Se pensarmos nas competências que tínhamos de dominar há 10000 anos para sobreviver, torna-se incrível que esse cérebro tenha tido plasticidade para criar a medicina, a física, a química, a mecânica quântica. Se nos lembrarmos de onde viemos, já fizemos tanto! Melhorámos a fermentação para produzir melhores vinhos e cervejas; desenvolvemos a medicina e a saúde de todos para vivermos mais e melhor; construímos foguetões e gelados de baunilha – coisas fundamentais e outras superficiais mas que nos fazem felizes! E, quem sabe, talvez estejamos no limite daquilo que conseguimos saber, contudo, tenho a certeza de que a Ciência irá continuar o seu trabalho para tornar o nosso mundo um lugar melhor. E, apesar de muitas vezes me sentir desencantado com a nossa espécie, outras vezes tenho mesmo orgulho no que sabemos e tenho a esperança de que ainda possamos melhorar.

É um lugar-comum dizer que somos pó das estrelas… mas é a verdade! O Sol é uma estrela de segunda ou terceira geração, ou seja, formou-se a partir das poeiras e do lixo cósmico resultante da morte de outra estrela que se organizou e coalesceu através de processos demasiado complexos para aqui descrever. Contudo, a verdadeira magia é que neste Sistema surgiu um planeta à distância certa da sua estrela, com uma gravidade adequada para reter uma atmosfera, rios e mares. Este planeta tinha uma serenidade geológica, uma temperatura amena e uma constituição química adequada. No final, o balanço perfeito de todos estes ingredientes permitiu que se desse uma singularidade cósmica: o surgimento da Vida. A história não acaba aqui, as leis da Natureza na epítome da sua criatividade fizeram mais: permitiram um jogo lento, mas maravilhoso, entre as mutações genéticas e a seleção natural e, com ele, a evolução. Com a evolução a Vida tornou-se complexa! Da vida complexa emergiu a nossa espécie. E com ela a singularidade suprema: a poeira cósmica tomou consciência. Citando Sagan, uma parte do Universo começou a olhar para Si.

A minha relação com a Ciência é uma das coisas mais importantes da minha vida. Tem sido um caminho incrível o de apreender, mas também ir esquecendo alguns dos processos e leis que regem o nosso Universo. Desde os muito simples, como a dissolução do sal em água, a outros complexos como a ideia do gene egoísta com os seus mecanismos de conservação dos genes, geração após geração. Há conhecimentos que se vão perdendo, como perceber e prever resultados de reações químicas… Há tanto de que já me esqueci! Mas no fundo não me importa.

Um dia hei-de regressar às reações químicas, como espero regressar àquela praia secreta que mora no olhar de alguém que já não vejo faz muito tempo. É tão maravilhosa esta antítese entre o prático e o inútil, entre o querer saber e o adorar o mistério! Há um certo paradoxo naquilo que move a minha consciência. Acho incrível que consigamos descobrir as leis matemáticas que escrevem a nossa realidade (sim, há regras para explicar como se movem bandos de aves ou cardumes de peixes ou manadas de mamíferos na presença de um predador).

Mas, voltando às reações químicas, apesar de ser maravilhoso entender os seus mecanismos, na verdade, os segredos mexem mais comigo. Não tem qualquer sentido em termos energéticos sair do sofá numa noite de sexta-feira chuvosa para ir dançar com os amigos, e já fomos tantas vezes!…

Não existe equação ou regra matemática que possam determinar o final do encontro de duas consciências. A forma como surge o amor ou o seu fim. Lei alguma poderá prever o destino de dois corpos que transportam duas consciências que se conectam: se um dia os seus braços estarão cobertos de musgos pelos abraços que nunca mais quiseram dar, as suas bocas mudas de beijos, cobertas pelas palavras mal ditas e os dedos enferrujados por já não saberem o corpo um do outro... Ou então se essas consciências vão conseguir manter os dois corpos juntos na eternidade de uma vida, fluindo graciosamente como se jamais se ousassem tocar.