Opinião
O perfume do défice
Era o primeiro Primeiro de Maio e de repente uma rajada de metralhadora fez dispersar os portugueses recém livres.
Eu tinha 11 anos naquele ano. Estudava num colégio religioso de uma cidade de província. Lembro-me como hoje da madre com o transístor colado ao ouvido, com o pequeno aparelho equilibrado sobre o ombro – tão distante da figura que mais tarde associaríamos ao tijolo da música ao ombro – e a ordem inédita de irmos embora para casa, sem aulas nessa tarde.
Não faço ideia como teriam os pais sido avisados nesse tempo pré-telemóvel, mas a verdade é que não deve ter havido aulas, não me lembro. Mais tarde vejo-me no meio da euforia indescritível de uma massa de gente na zona da baixa em Lisboa e tanques por todo o lado.
Era o primeiro Primeiro de Maio e de repente uma rajada de metralhadora fez dispersar os portugueses recém livres. Corremos com o coração a sair boca fora, como se não houvesse amanhã. Ainda não sabíamos que haveria amanhã, mas pouco.
Falava-se de política em todos os cantos do País, em todos os cafés, nesse longínquo tempo pré-doença da comentarite futebolóide, quando as pessoas queriam ter uma palavra a dizer sobre os seus destinos, saber em quem votar, puxar as rédeas de um tempo seu, construir a estrada e o caminho.
O futebol era uma coisa parola e o mundo dos televisionáveis não se atreveria a gastar o horário nobre dissecando até à náusea foras de jogo pela noite fora.
O mundo chegava-nos pelos jornais, pela televisão e pela rádio e havia mediação jornalística.
Gente que teria de prestar contas se escrevesse um título a dizer “Estádio do Euro 2004 vai trazer grande desenvolvimento à cidade“ e afinal depois não. Ou não?
O País modernizou-se, alfabetizou-se e televisionou-se. Entre os sonhos de caracácá da telenovela e
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