Opinião
O que vale a palavra?
Perguntar-te-ás, e bem, porquê estas citações num artigo de opinião de um jornal?
Meu Caro Zé,
Estava eu a arrumar uns papéis antigos quando me chamou a atenção um apontamento tirado de um livro de um filósofo francês que muito prezo, Paul Ricoeur, La critique et la conviction.
Desse livro constam uma série de entrevistas que o autor aceitou dar, tendo eu sido particularmente sensível (na altura – e vão lá mais de dez anos) a algumas das razões que ele invocou para dar essas entrevistas, ele, que se classificava a si mesmo como um “homem de escrita”. Permite-me que traduza (a responsabilidade da tradução é minha) algumas das suas palavras:
“Quero arriscar-me uma vez na minha vida ao que, precisamente, permite o diálogo, isto é, uma palavra menos controlada... O nível a que nos vamos manter é justamente a meio caminho entre a auto-censura e a confidência; uma maneira de deixar escapar o que, sozinho perante mim mesmo e uma folha em branco, teria provavelmente rasurado, mas, sobretudo, que eu jamais teria escrito. Estamos então entre o dizer e o escrever, num género que nos concede maior liberdade... (Por isso) falamos mais do homem do que do autor, ou, em todo o caso, mais do homem dentro do autor, (o que me permite escapar) a uma espécie de esquizofrenia controlada que é, desde sempre, o meu regime de pensamento.
Aqui, o regime da vida leva a melhor sobre o regime do pensamento.” Li estas notas ao mesmo tempo que lia o último romance de Orhan Pamuk, onde a certa altura a personagem principal se interrogava sobre a diferença entre a palavra falada e a palavra do “coração” e sobre a legitimidade ou ilegitimidade de uma não coincidir com a outra.
Perguntar-te-ás, e bem, porquê estas citações num artigo de opinião de um jornal?
*Economista
Texto escrito de acordo com a nova ortografia