Opinião
O tempo sem incêndios
Os pinhais tornaram-se selvas. Ou, então, substituídos por eucaliptos, que dão madeira de 8 em 8 anos
No tempo em que era miúdo, não havia incêndios florestais. O meu avô do Coimbrão, pedreiro de profissão, aplicou muitas das sua poupanças em pinhais e deles tirava, desde logo, um bom rendimento em resina, que lhe dava, no final, uma pequena “reforma” mensal.
De todas essas dezenas de pinhais (pequenos e médios), o mato era vendido a agricultores que dele precisavam. Espalhado nos caminhos em frente às casas, para ser calcado e moído por todos os que passavam, alimentava depois as terras, ou ia directamente para os currais, para cama das alimárias, ou dava bom estrume para as terras.
E numa altura própria do ano (talvez Julho) íamos receber a renda dos pinhais, pagas em dinheiro ou em sacas de milho. Os pinhais estavam limpíssimos. Um pinheiro a secar, era negócio certo, porque alguém dele precisava.
De um pinhal mais basto eram marcados os pinheiros a abater e eram vendidos para lenha ou já para postes. E o gosto que dava ver as casas caiadas e bem zeladas dos guardas florestais.
O Pinhal de Leiria vigiadíssimo e tratado com saber: uns lotes vendidos com pinheiros de 50 anos, outros a crescer e a serem desbastados, outros com machurreiros direitinhos, próprios para postes de telefone. Tudo controlado – um lote a ser vendido, outro a crescer, outro a ser plantado… E, quase de repente, os rendeiros foram deixando os pinhais, gastos pela velhice e pelos trabalhos esforçados, os seus filhos no estrangeiro ou com outras profissões.
E de um momento acabaram também os guardas florestais, as suas casas deixadas ao abandono. Tinha acabado um certo modo de vida, onde tudo se reciclava. Os pinhais tornaram-se selvas. Ou, então, substituídos por eucaliptos, que dão madeira de 8 em 8 anos, comprados por madeireiros que foram juntando hectares e hectares de terrenos, vendidos a patacos.
Das voltas com o meu avô lembro-me de ele me dizer com orgulho que aquele ou aqueloutro pinhal já tinha vinte anos e que daí a vinte anos daria bom rendimento em madeira. Comovia o regozijo do meu avô ao saber que o rendimento ficaria para os netos. Nem um incêndio, que me lembre nos meus tempos de infância.
E há uns bons anos atrás, já com pinhais ao abandono, ouvi falar em apoios para limpeza de matas. Ansioso, fui aos Serviços Florestais em Leiria. O funcionário, lembro-me bem, riu-se da minha ingenuidade: “Ó amigo, estes apoios são só para quem tem pinhais com mais de 50 hectares. Você tem algum?” Não, não tinha. Logo ali compreendi para quem se destinavam os apoios e de como eram geridos . Só para alguns, claro.