Opinião
Onde está a autoridade do Estado?
O Estado (nas suas diversas funções), ao desresponsabilizar-se (aliás, a “moda” da desresponsabilização ainda não passou), perde toda a autoridade de exigir aos cidadãos aquilo que ele próprio não assume
Meu caro Zé,
Podes calcular a confusão que reina neste Portugal e, infelizmente, não só nele, sendo a palavra “responsabilidade” correntemente invocada em todos os domínios (é a responsabilidade individual, social, institucional e, em particular, do Estado) e continuamente desrespeitada.
Se é intolerável e perturbador do funcionamento da sociedade essa falta de assunção da responsabilidade, ela é particularmente grave em momentos delicados como é o caso da pandemia que se prolonga, com mutações inesperadas e ameaçadoras, para além das expetativas.
É neste momento que, mais do que nunca, a autoridade (e consequente responsabilidade) do Estado mais tem de ser assumida coerentemente, sem fugas à responsabilidade das decisões assumidas, nem tomadas de decisão que incoerentes que deixem os cidadãos confusos, abrindo as portas a comportamentos individuais ou coletivos indesejáveis.
No meio de uma pandemia que se agrava, em particular na Região de Lisboa, é fundamental não esquecer a responsabilidade nunca assumida por uma das razões, talvez mesmo a primeira, no dia 11 de maio, com as comemorações do Sporting.
É importante relembrar que as Autoridades Policiais foram de opinião (e avisaram, tanto quanto é informado, sem desmentidos, na Comunicação Social) que não seria bom autorizar os festejos tal como eles se desenrolaram.
E, aqui, a estatística, cujos resultados devem ser lidos com cuidado, dá motivos de confirmação dos efeitos desses ajuntamentos, sem distância social, aos milhares, muitas vezes sem máscara e durante muitas horas.
Com os dados disponíveis (e só com esses) dos relatórios da DGS, verifiquei que nos 14 dias precedentes ao dia 11 de maio, o indicador do número de incidências em 14 dias por 100.000 habitantes em Lisboa e Vale do Tejo era de cerca de 40, enquanto no resto de Portugal Continental era de cerca de 52.
Nos 14 dias seguintes passou a cerca de 61 em Lisboa e Vale do Tejo e caiu para cerca de 47 no resto do Continente. Finalmente, nos 14 dias seguintes (com os efeitos potenciais da comemoração já completos) esses números passaram para cerca de 110 (!) em Lisboa e Vale do Tejo e 55 (metade!) no resto do País.
Lembremos ainda que Lisboa e Vale do Tejo é maior que a Região Metropolitana de Lisboa e que este valor de 110 é, por certo, bem maior nesta zona.
Claro que há outras razões como, por exemplo, a densidade populacional (mas ela é só um pouco maior que a da Região Metropolitana do Porto), ou o peso da variante Delta (mas as viagens do Reino Unido só foram autorizadas a partir de 17 de maio) e há ainda Braga (comemorações da Taça de Portugal) que também sofreu um surto apreciável.
Como se procurou “esquecer” este assunto, não assumindo quaisquer responsabilidades, o Estado (nas suas diversas funções) ao desresponsabilizar-se (aliás, a “moda” da desresponsabilização ainda não passou), perde toda a autoridade de exigir aos cidadãos aquilo que ele próprio não assume.
Para onde iremos?
Até sempre,
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990