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Opinião | A Rede Cultura 2027 e a Tríplice Hélice

18 abr 2019 00:00

O projecto, em si, tem uma dimensão que revela uma inteligência estratégica avançada sobre a gestão dos territórios, salientando a cooperação a favor da competição.

Muito recentemente, decorreram na cidade de Leiria, e durante o mesmo tempo (de 20 a 24/3), dois eventos culturais: um de poesia (Ronda Poética) e o outro de cinema (Leiria Film Fest). E, por terem sido simultâneos, tiveram efeito canibalista.

Logo a seguir ao Leiria Film Fest, no dia 2/4, começou em Leiria o festival de cinema documental Hádoc. Esses três eventos culturais têm, pelo menos, dois pontos em comum: o apoio da câmara municipal e a completa descoordenação entre si, sobretudo, num município que almeja ser Capital Europeia da Cultura (CEC27).

No dia 22 de Fevereiro deste ano, foi constituído o ambicioso projecto Rede Cultura 2027, que reúne 26 municípios em redor de um objectivo comum que é a criação coordenada e integrada da oferta cultural e servir de plataforma regional para a candidatura de Leiria como CEC27.

O projecto, em si, tem uma dimensão que revela uma inteligência estratégica avançada sobre a gestão dos territórios, salientando a cooperação a favor da competição.

Esta Rede Cultura 2027 é uma área geográfica de seis mil quilómetros quadrados, que vai desde Sobral de Monte Agraço até Castanheira de Pera, envolve três distritos (Leiria, Lisboa e Santarém), duas comunidades intermunicipais e abrange mais de 800 mil habitantes.

Ou seja, é uma super-estrutura territorial. E a pergunta mais imediata que se põe é: será exequível?

A grande dimensão geográfica da Rede Cultura 2027 vai impor um acentuado custo de coordenação das operações, na medida em que exige um certo grau de alinhamento da política cultural e das práticas de gestão de 26 câmaras municipais.

No entanto, se, por um lado, a sua eficiência será extremamente custosa em termos operacionais, por outro lado, este capital político capaz de agregar 26 câmaras deve ser continuado enquanto política de longo prazo, mesmo que a CEC27 não venha para Leiria.

O modelo estratégico a seguir deverá ser o da Tríplice Hélice (Figura), i.e., o de encontrar pontos de intersecção de interesses comuns entre os actores.

Municípios & agentes culturais: apoios financeiros, infraestruturas, logística, comunicação coordenada, alavancagem da imagem dos concelhos, novos públicos.

Agentes culturais & população: diversificação da oferta cultural, novos públicos, fortalecimento das identidades culturais dos cidadãos com o território. Municípios & população: novos vectores culturais, uso eficiente do dinheiro público, desenvolvimento socioeconómico e cultural, melhoria da qualidade de vida.

A Rede Cultura 2027 deve adoptar um modelo de gestão que possa, primeiro, encontrar a área que reúna os interesses comuns de todos e, de seguida, dar orientações de políticas públicas para os territórios envolvidos

. É uma tarefa fácil? Não! É exequível? Com muito trabalho, talvez!

Mas deve ser, sobretudo, uma vontade política de longo prazo assumida por todos.

*Docente do IPLeiria