Editorial
Paliativos mas pouco
Não deixa de ser incompreensível, como noticiamos esta semana, que a unidade de Alcobaça, a única do género no distrito de Leiria, tenha um terço das camas por utilizar
Júlia sempre foi uma mulher de trabalho, de muito trabalho. Nos dias de mercado, levantava-se de madrugada para preparar as flores que levava para as suas clientes habituais. No resto da semana, por vezes incluindo sábados e domingos, perdia-se, por vezes de sol a sol, nas estufas artesanais, onde cultivava carinhosamente as plantas que lhe garantiam o sustento.
Foi assim a sua rotina, até que o cancro a tolheu de surpresa. A ela e aos filhos, já que o marido havia partido, fazia uns anos.
Exames, atrás de exames, internamento atrás de internamento, e o veredicto que ninguém estava preparado para ouvir: “pode ser operada e fazer quimioterapia, mas preparem-se para o pior”.
E o pior, para além da degradação física que começou a fazer-se sentir quase a um ritmo diário, era encontrar um local onde Júlia pudesse enfrentar a doença, com acompanhamento especializado e adequado que lhe pudesse aliviar o sofrimento.
Em contrarrelógio, os filhos conseguiram encontrar um lar que a acolhesse. Mas só depois de a verem entrar na Unidade de Internamento de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar de Leiria, que se situa no hospital de Alcobaça, sentiram o alívio possível, dentro da sua imensa dor.
Ali, mesmo em dificuldade, Júlia voltou a recuperar o sorriso. Manifestou que o seu último desejo era poder festejar os 90 anos com familiares e amigos. E assim foi. No dia do aniversário, foi organizado um almoço, onde Júlia marcou presença, acompanhada por uma equipa destacada pelo hospital. Semanas depois, faleceu. E, segundo os filhos, “partiu em paz”.
Apesar de dramática, a passagem de Júlia por esta vida, terminou de uma forma menos triste. Porque, ao contrário dos cerca das 70 mil pessoas – entre crianças, jovens e idosos – que não têm acesso a cuidados paliativos, ela teve quem a ajudasse a encarar os últimos dias de forma digna e humanizada.
É conhecida a carência gritante de unidades de cuidados continuados e paliativos, nos País e na região.
E não deixa de ser incompreensível, como noticiamos esta semana, que a unidade de Alcobaça, a única do género no distrito de Leiria, tenha um terço das camas por utilizar, por falta de profissionais que assegurem o acompanhamento dos doentes.