Opinião

Pode o reencontro com um livro emocionar-nos?

11 ago 2023 16:36

Como disse Lorenz, só aquele que conhece verdadeiramente os comportamentos dos animais é capaz de compreender plenamente o caráter único do homem

Sim, pode o reencontro com um livro há muito perdido emocionar-nos? Oh, se pode! A mim aconteceu-me quando a Maria da Luz da Arquivo me disse: - O seu livro chegou! Confesso que tive de me conter para não a abraçar, mas senti lágrimas saltitantes nos meus olhos! Esse livro, “A Agressão – uma história natural do mal”, para mim uma preciosidade, foi escrito pelo maior de todos os meus mestres: Konrad Lorenz, o “pai” da Etologia.

Lembro-me que o comecei a ler quando, saída da faculdade diretamente para fazer o estágio numa escola, me dei conta de quão ignorante eu era para o exercício da profissão que me esperava: a de professora. De facto, ao que trazia comigo da faculdade e que era a verdade contida na frase “só sei que nada sei” juntei, na escola Silva Gaio em Coimbra, o observar, vezes sem conta, como a agressão de alguns alunos para com os professores, irremediavelmente, os excluía da possibilidade de aprenderem as matérias escolares e rapidamente, os instalava nas profundezas da hierarquia dos alunos: os, fatalmente, condenados ao insucesso escolar.

Tenho para mim que foi o sentir-me assim, tão ignorante, que me fez humilde para reconhecer que o problema do insucesso dos alunos gerado pelos seus disruptivos e agressivos comportamentos era afinal o resultado de eu não saber como lidar com eles e “bolas”, eu era a professora! Refletindo sobre o assunto senti, desde logo a necessidade de tentar perceber de onde vinha a tal agressividade naquelas crianças, quais as suas causas e ao expressá-la, quais os objetivos que, dessa forma, quereriam atingir.

E eis que tendo como objeto de estudo a agressão me vem ter às mãos esse fabuloso livro de Lorenz. Com ele pude entender as leis da adaptação e da sobrevivência no reino animal que tantas vezes utilizei para compreender a agressividade nos jovens humanos, ao ler sobre a conduta dos animais, pude evitar confrontos inimigos do estabelecimento de uma relação pedagógica que pusesse também esses alunos a gostarem de aprender.

E foi assim que, ao longo dos anos, como professora, me achei, vezes sem conta, a ter necessidade de reler este ou aquele capítulo deste “meu” livro.

Foi também assim que me habituei a perante um comportamento agressivo de um aluno ao sentir-se ameaçado pelas regras da vida escolar, em vez de usar a minha capacidade de defesa advinda da minha autoridade de professora (expulsar da aula, marcar faltas ou fazer participações) optei por me tornar capaz de tudo organizar para dissuadir essa agressividade feia de se manifestar. Como? Percebendo, como disse Lorenz, que só aquele que conhece verdadeiramente os comportamentos dos animais é capaz de compreender plenamente o caráter único do homem.

Agora, ao reler este livro percebo o muito que ele ainda tem para me ensinar e é assim que quando o abro, emocionada, me ponho de novo com ele a prender.