Opinião

Quando a saúde está doente

20 set 2024 11:23

O Serviço Nacional de Saúde está em crise porque o Estado, isto é, os governos, se foram demitindo da obrigação de o manterem saudável

Um amigo decidiu operar-se num clínica privada. Para a operação e internamento de dois dias, mesmo com comparticipação da ADSE, pagou “por fora” 1.400 euros. Foi excelente! Até ao momento em que apanhou uma bactéria multirresistente. Recambiado imediatamente para o hospital público, lá recuperou!

Conheço mais alguns casos. Operações simples e internamento para recuperação: na clínica. Complicação: hospital público! Ou ao contrário: operação complicada no Hospital, pós-operatório em clínica. 

Qual o apoio que o privado deu à pandemia? Quase nenhum. Foi o SNS que se ergueu, isolado, e tomou conta de todo o controlo e tratamento da pandemia. E o que aconteceu quando a ADSE há alguns anos atrás decidiu uniformizar pagamentos aos privados, constatando, por exemplo, que um simples penso ia de 20 a 120 euros, consoante as clínicas? 

E entre modelos que preconizam um SNS totalmente estatizado e um sistema partilhado com clínicas privadas, há muitas nuances a ter em conta e não podemos ser radicais. Mas a verdade é que a degradação progressiva do SNS dá jeito, porque favorece, os ideais de grupos privados de Saúde, que efetivamente têm poder junto do Poder.

Vamos ser honestos: um empreendimento privado no âmbito de saúde (falo de clínicas), é dominado por grupos empresariais cuja preocupação não é a de serviço público: é a de lucros e satisfazer os sócios na repartição dos lucros. Tão claro como água: onde se diz gestão “eficaz”, deve ler-se “lucrativa”, porque é um negócio como qualquer outro. E até aceitamos isso, pois claro, desde que o serviço seja para todos, ou, não o sendo, não seja pago por nós todos.

(Fora deste arrazoado deixo o Centro Clínico Champalimaud. Esse é outra coisa!).

Eu tenho frequentado consultas no privado, com comparticipação da ADSE, pago uma ridicularia e sou muito bem atendido. O custo das análises e exames comparticipados são ínfimos. Aqui está uma verdadeira extensão do serviço nacional de saúde a funcionar bem.

Mas é verdade também que os clínicos do Serviço Nacional de Saúde são mal pagos. Tornaram-os funcionários públicos, na degradação evidente de salários e condições de trabalho comuns à maioria dos funcionários públicos. Para tanta responsabilidade, tão pouco reconhecimento! Médicos (e enfermeiros) em exclusividade, digo eu, têm que ser mais bem pagos.

O Serviço Nacional de Saúde está em crise porque o Estado, isto é, os governos, se foram demitindo da obrigação de o manterem saudável. E por uma grande razão: todos eles, os governos, acabaram por perder o sentido de serviço público para que foi criado.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990