Opinião
Quarenta e dois
Estamos todos em fila, como numa linha de (des)montagem e vamo-nos substituindo
"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma…"
Álvaro de Campos
Se calhar atravesso uma crise de meia-idade. Não pensem que se trata de desânimo ou pessimismo, pelo contrário, se assim fosse falaria antes de uma crise de dois terços de vida e metade é bem mais que um terço.
Os meus olhos reivindicam lentes progressivas e a minha pele forças contrárias às da gravidade. A minha cervical diz que não posso correr e o sossego é muitas vezes o meu melhor amigo. Estás velha, pensam vocês. Não. Não se trata disso. Acho que é medo.
Não que as marcas da idade, em mim, me assustem propriamente, mas fazem-me situar. Fazem-me temer partidas e pensar que aquele longe está cada mais perto. É a velocidade que o tempo toma que me desassossega.
Cliché será dizer que a idade nos transforma e nos faz sentir as coisas de outra forma e é verdade. Confere. O tempo sprinta. Ainda ontem era hoje e já cá estamos outra vez. Os putos cresceram, já conduzem e já têm a idade que nós tínhamos. Os adultos estão grisalhos e cansados e alguns já se apagaram.
Tudo expectável na realidade, porque isto nada mais é que um ciclo. Só muda quem lá anda, o resto é sempre igual.
Hoje uma casa de frenesim e amanhã um lar de janelas fechadas onde outrora reinava luz. Estamos todos em fila, como numa linha de (des)montagem e vamo-nos substituindo. É assustador, mas inevitável.
Hoje, penso mais na morte, na fé e na falta dela, naquilo em que acredito ou dava jeito acreditar. Penso no que fica depois de irmos e se as memórias se gastam.
Tranquiliza-me um pouco olhar para a minha mãe e perceber que a morte vai adquirindo uma certa leveza à medida que envelhecemos. Aceitamo-la, com dor e lamento, mas serenamente. Essa ideia alimenta-me. Conforta as minhas inquietações.
Assim como um livro aberto com entusiasmo chega ao fim, também nós temos um ponto final. Daqui a uns anos somos incógnitos e ninguém calçará os nossos sapatos. Basta-nos portanto valorizar o que vale a pena valorizar e fazer da nossa vida a melhor história que alguma vez teremos oportunidade de viver, porque a morte é para sempre e ainda ninguém voltou de lá.