Opinião
Quem muito dorme, muito sabe
De que equipa fazem parte? Dos que acordam a assobiar ou dos que praguejam com o despertador?
De que equipa fazem parte? Dos que acordam a assobiar ou dos que praguejam com o despertador? Eu pertenço claramente à segunda opção. Na realidade não praguejo, mas o meu sistema operativo precisa de tempo para se desinibir e para voltar ao estado excitatório que carateriza a vigília. De manhã cedo, por favor, não façam muitas perguntas nem falem muito alto que a melatonina ainda me corre nas veias.
Como algumas pessoas que conheço, não sinto que dormir seja um desperdício, mas antes uma forma de me manter sã e capaz. Preciso daquelas 8h/9h de apagão para funcionar e raramente corto no sono quando o tempo não chega para tudo.
Os horários de trabalho convencionais sempre me alarmaram um bocadinho. Não durmo propriamente cedo e começar o dia com as galinhas sempre foi sinónimo de uma certa inquietação. Às vezes, acordar sem energia fazia-me sentir preguiçosa e menos responsável, sempre em delay em relação aos madrugadores. Mas eu não sou os outros e isso deixou de ser preocupação, não preciso de correr atrás de quem começou mais cedo desde que cumpra os meus afazeres. Tudo se faz na mesma, mesmo que em timings ligeiramente desalinhados da maioria.
De facto, cada pessoa tem o seu relógio biológico (ritmo circadiano) e enquanto uns cantam no banho, outros não abrem a boca até meio da manhã. São modos de funcionamento (cronotipos) num espetro que varia dos mais matutinos aos mais noctívagos. Não se trata de uma escolha, mas de uma caraterística fortemente determinada pela genética, por isso, está tudo certo e explicado! Somos todos produtivos, apenas em diferentes momentos do dia, sendo de esperar discrepâncias nas preferências de horário para o sono e para os períodos de atividade.
No entanto, vivemos numa sociedade que não acompanha todos os relógios biológicos. Trabalha-se essencialmente das 9h às 18h e as aulas começam muitas vezes antes das 9h, mesmo havendo estudos que mostram que os alunos que começam as aulas mais tarde têm melhor desempenho académico. Depois, há ainda aquela convicção de que quem acorda mais cedo é mais inteligente e tem mais sucesso e que todos os outros são uma cambada de calões que não sabe aproveitar o dia.
Enfim, o que interessa de facto é conseguir conciliar a coisa e acima de tudo o fundamental é dormir. Dormir o que precisamos de dormir.
Como bem sabemos, o sono é um pilar da saúde e da qualidade de vida, já todos sentimos na pele os efeitos da sua privação. Mas o que acontece de facto todas as noites quando fechamos os olhos? Passamos um terço dos nossos dias a dormir e nem todos sabemos porque o fazemos. Se fizerem as contas, aos 75 anos, teremos passado 23 deles a dormir. Parece muito dito assim, mas é o sono que nos deixa lá chegar e importa saber porquê.
O sono não serve apenas para consolidar memórias e recarregar baterias. O sono é o nosso serviço de manutenção, repara e mantém em equilíbrio o nosso sistema biológico. Atua na regeneração dos tecidos; facilita a recuperação do custo nervoso e metabólico do estado de vigília; é responsável pela limpeza de resíduos e produtos tóxicos do sistema nervoso central; restabelece as nossas defesas; regula o apetite e as emoções, permitindo-nos ter respostas mais adaptativas perante as exigências do dia a dia.
Apesar das recomendações do número de horas de sono por idade, estas são apenas referências, já que dependem de vários fatores. O tempo que dormimos é uma necessidade individual, não se sintam nem menos nem mais à custa disso. Quanto aos short sleepers, que funcionam bem com poucas horas de sono, não se convençam que isso é para todos e que apenas exige treino e habituação. Há de facto pessoas que precisam de dormir pouco, mas constituem apenas 1% da população (American Academy of Sleep Medicine), sendo uma condição determinada por uma mutação genética.
Dormir pouco sem consequências negativas não é uma escolha. A privação do sono tem fortes repercussões diárias, como irritabilidade, falta de concentração, má memória, fraca produtividade, cansaço, falta de motivação, entre outras. A longo prazo, dormir pouco pode promover o desenvolvimento de várias doenças, como doenças metabólicas (ex.: diabetes), neurodegenerativas (ex.: doença de Alzheimer) cardiovasculares, cancro e depressão (Associação Portuguesa do Sono).
Não penalizem o sono quando o tempo não chega. Não acumulem horas para compensar no fim de semana, ou pelo menos não façam disso uma regra.
O sono faz-nos bem e recomenda-se!